A partir de 2026, vender para o exterior — especialmente para a União Europeia — vai depender cada vez mais de um “passaporte verde”: não bastará ter soja, carne ou milho de boa qualidade, será preciso provar, com documentos, que essa produção não veio de área desmatada e que a fazenda cumpre regras ambientais e sociais mínimas. Segundo especialistas, trata-se de uma mudança estrutural no comércio agrícola, que vai mexer com toda a cadeia, do pequeno produtor à grande trading.
O que muda nas exigências dos compradores
Novas normas europeias contra o desmatamento começam a valer na prática a partir do fim de 2025, com aplicação cheia ao longo de 2026. Pela regra, quem vender soja, carne bovina, madeira, cacau, café, borracha ou óleo de palma para a UE terá de apresentar:
- coordenadas geográficas da área de produção;
- comprovação de que não houve desmatamento após a data de corte definida em lei;
- documentação mostrando cumprimento da legislação local.
Ou seja: cada lote exportado precisará ter rastreabilidade e “histórico ambiental limpo”. E esse movimento não se restringe à Europa. Relatórios globais mostram que quase 90% da perda de floresta no mundo está ligada à expansão agrícola para commodities como carne, soja e óleo de palma, o que vem pressionando governos e empresas a reverem suas cadeias de fornecimento.
Empresas ainda estão atrasadas — e isso chega na ponta
Apesar do discurso, boa parte das empresas ainda está longe de atender totalmente ao padrão “desmatamento zero”. O Global Forests Report 2024 avaliou 881 companhias e constatou que só 445 mostram algum avanço em direção a cadeias livres de desmatamento; desse grupo, apenas 64 têm ao menos uma operação integralmente alinhada a essa meta. Outro estudo, o Forest 500/Global Canopy, indica que, entre as 500 empresas e instituições financeiras mais influentes do mundo, somente uma pequena fração de fato implementou compromissos robustos contra o desmatamento.
Segundo especialistas, esse atraso no topo da cadeia significa que a pressão tende a crescer justamente sobre o elo mais frágil: o produtor. Grandes compradores internacionais e indústrias locais começam a exigir documentação detalhada sobre origem, Cadastro Ambiental Rural (CAR) regular, ausência de embargos e sobreposição com áreas protegidas, além de comprovação de boas práticas trabalhistas. Quem não conseguir entregar essas informações corre o risco de ficar fora de contratos, ou de ser redirecionado para mercados menos exigentes e com menor valor agregado.
O que o produtor precisa entregar na prática
Na fazenda, o novo “passaporte verde” se traduz em quatro frentes principais:
- Rastreabilidade: saber e registrar exatamente de onde veio cada lote, com mapas, CAR atualizado, georreferenciamento e, em muitos casos, integração com sistemas de compradores.
- Desmatamento zero: comprovar que a área não foi aberta depois da data de corte definida pelas regras internacionais, mesmo que o desmate seja considerado “legal” no Brasil.
- Conformidade ESG: mostrar que há respeito à legislação ambiental e trabalhista, com documentação organizada e pronta para auditorias.
- Transparência: manter contratos, cadastros e registros acessíveis para checagens por parte de empresas e, eventualmente, autoridades.
Esses requisitos já aparecem em novos contratos de exportação e programas de certificação, e a tendência é que se tornem padrão entre 2025 e 2026.
Risco para quem não se adapta; prêmio para quem se organiza
Segundo analistas, o recado dos grandes mercados é duplo. De um lado, quem não se ajusta tende a perder espaço, enfrentar descontos ou até ver a porta se fechar em alguns destinos. De outro, quem comprova conformidade ambiental e social ganha vantagem competitiva:
- maior chance de acesso a mercados premium;
- melhor posição em programas de compra de grandes redes e indústrias;
- acesso facilitado a financiamentos e seguros ligados a critérios ESG;
- possibilidade de capturar prêmios por produto certificado ou com baixa pegada ambiental.
Há sinais de que parte dos compradores está disposta a pagar mais por produtos com garantia de origem e desmatamento zero, especialmente em segmentos como soja, carne bovina e milho destinados à alimentação humana ou a cadeias de proteína animal de alto valor.
Pequeno e médio produtor: onde está o desafio
Para pequenos e médios produtores, o desafio é maior: falta tempo, estrutura técnica e, muitas vezes, dinheiro para montar um sistema próprio de rastreabilidade. Por isso, especialistas recomendam alguns passos práticos já para 2025:
- regularizar o CAR e resolver pendências ambientais óbvias, como áreas embargadas ou sobreposição com terras protegidas;
- organizar documentos fundiários, trabalhistas e fiscais;
- buscar apoio de cooperativas, associações e empresas parceiras que oferecem plataformas de rastreabilidade e suporte técnico;
- participar de programas de adequação ambiental e certificação, quando disponíveis na região.
A avaliação é que a transição será mais suave para quem estiver inserido em cadeias organizadas — cooperativas, integrações, programas de compra estruturados — do que para quem negocia de forma totalmente isolada.
No fim das contas, o “passaporte verde” não é apenas um selo bonito: será a combinação de documentos, mapas, histórico ambiental e boas práticas que permitirá ao agro brasileiro continuar vendendo para os mercados mais exigentes do mundo. Para o produtor, a escolha é clara: ou se organiza desde já, com apoio técnico e planejamento, ou corre o risco de ver seu produto ficar na fila enquanto outros, já adequados, embarcam primeiro.



