Geopolítica da carne bovina: como Brasil, EUA e Austrália vão ditar a oferta global?

As perspectivas futuras para o mercado de proteína animal apontam cenários completamente distintos nos principais players do tabuleiro mundial de carne bovina, com o Brasil se tornando cada vez mais a peça-chave no para o equilíbrio da oferta mundial

No próximo ano, no Brasil, a combinação de início da virada do ciclo, fortalecimento da demanda interna e potencial abertura de novos mercados cria um ambiente de expectativa mais positiva. Nos Estados Unidos (EUA), a instabilidade política e a oferta curta podem ampliar a dependência de carne importada. Enquanto isso, na Austrália, o bom desempenho no gado vivo e o domínio no segmento premium asiático tendem a sustentar preços e competitividade.

Após anos de oferta elevada e pressão sobre o preço do boi gordo, no caso brasileiro, a projeção é que 2026 represente o ponto de inflexão do ciclo pecuário. A avaliação é de que o abate de fêmeas tende a recuar moderadamente, abrindo espaço para retenção de matrizes e estímulo à formação de bezerros. “Existe a real possibilidade de o ciclo virar em 2026. Não esperamos queda acentuada no abate de fêmeas, mas sim uma retração acompanhada por retenção incentivada pelos preços dos bezerros”, afirmou Caio Toledo, analista de pecuária da StoneX no Brasil. 

Apesar disso, ele pondera que o ciclo não determina sozinho os movimentos de mercado. Para 2026, a expectativa é de demanda doméstica mais firme e ambiente internacional aquecido. “O mercado interno deve se expandir e o cenário global é de necessidade crescente de proteína. Isso abre espaço para valorização do boi ao longo do ano”, destacou.

Caio ponderou, no entanto, que a taxa de endividamento dos brasileiros deve ser acompanhada, uma vez que qualquer piora na percepção de crédito ou no custo do financiamento tende a impactar diretamente o consumo interno de carnes.

Acesso ao mercado japonês: Brasil X Austrália  

A possível abertura do mercado japonês à carne bovina brasileira também norteou o debate na conferência. 

Após as visitas de comitivas do serviço sanitário do Japão, neste ano, a plantas frigoríficas brasileiras, criou-se a expectativa de que o governo japonês pudesse anunciar ainda em 2025 a abertura do mercado à carne bovina do Brasil. No entanto, segundo fontes do governo e do próprio setor, a decisão deve ficar para 2026.

Mesmo ainda sem o anúncio oficial, há uma certa atenção ao possível potencial impacto caso o Brasil conquiste acesso pleno ao mercado japonês – hoje dominado pela Austrália e pelos EUA. “O Brasil entraria no Japão com produto de perfil commoditie. Já a Austrália opera no segmento premium, no qual o consumidor japonês tem fidelidade histórica. Não competimos diretamente”, explicou Ripley Atkinson, analista de mercado da StoneX na Austrália, minimizando a possibilidade de perda significativa de espaço aos pecuaristas do País.

Segundo ele, no entanto, a eventual entrada brasileira no mercado japonês, poderia pressionar os preços nas categorias inferiores, mas não deve afetar o volume de cortes de maior valor agregado. “O que muda é o piso do mercado, não o nosso nicho principal”, afirmou.

E os EUA?

Nos Estados Unidos, o movimento é distinto. O país atravessa um período de oferta apertada de gado, combinada com demanda ainda robusta. 

Segundo a consultoria, o recente arrefecimento dos mercados futuros não tem relação com falta de capacidade industrial, mas sim com fatores financeiros e ajustes técnicos. “Não houve congestionamento por capacidade. Se algo, temos espaço demais. O que elevou os preços foi a escassez de animais e a demanda forte”, afirmou Ryan Turner, analista da StoneX nos EUA. 

A volatilidade observada nos últimos dias nos contratos futuros, segundo ele, decorre da retirada de fundos especulativos em função de notícias sensíveis ao risco. “Os fundos estavam muito longos em gado e exageraram a reação. Agora voltamos a um nível mais realista”, acrescentou.

Outro ponto que deve influenciar o mercado americano em 2026, na visão da StoneX, é a política comercial com o Brasil. Recentemente o governo norte-americano retirou as tarifas adicionais impostas à carne bovina brasileira durante o tarifaço. “Qualquer coisa envolvendo o Brasil será volátil no próximo ano. Mudanças de posição da Casa Branca podem ocorrer da noite para o dia”, disse o analista.

Ainda assim, ele avalia que o governo tem interesse em manter a oferta de carne importada como forma de combater a inflação de alimentos. A expectativa é que a cota anual de importação válida a partir de janeiro seja preenchida rapidamente, “em 30 a 60 dias. “Como já é habitual”, disse. 

Em relação à possibilidade de o Brasil superar a Austrália em volume exportado aos EUA, Turner disse que a resposta ainda depende do comportamento tarifário e das decisões políticas. “É cedo para cravar. É um mercado que exige cautela”, ponderou.

Entre as questões macroeconômicas, o risco de recessão nos EUA foi levantado pelos participantes. O analista norte-americano reconhece sinais técnicos de possibilidade de desaceleração, mas afirma que o comportamento do consumidor não demonstra retração evidente. “O risco existe, mas andando por Chicago não há nada que lembre uma recessão. Restaurantes e ruas seguem lotados. Vemos o mesmo em outras regiões”, relatou.

Austrália segue em expansão

Na Austrália, os indicadores apontam para crescimento sólido nas exportações de gado vivo, especialmente para a Indonésia. Segundo o analista australiano, o país registrou no ano fiscal de 2024/25 o maior volume de embarques em mais de uma década. “O desempenho foi excepcional. A Indonésia segue como mercado fundamental, com demanda muito sólida”, destacou Atkinson.

O Vietnã, que há cinco ou seis anos figurava entre os principais destinos, perdeu participação, enquanto Filipinas e Malásia cresceram. De acordo com Ripley, há uma diversificação importante e contínua nos clientes australianos. “A preferência regional pelo nosso produto permanece firme”, disse.

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