Um dos melhores resultados do processo político dos últimos anos foi acender a chama que iluminou as posições ideológicas da população brasileira. Os conceitos de esquerda e direita saíram das bibliotecas e universidades e encontraram a sociedade que, aos poucos, vai se informando e, através de seus filtros, se identificando de um lado ou de outro. A chamada polarização nos beneficiou com a politização daquilo que antes era apenas engano e cartório partidário longe do povo.
Ao mesmo tempo, foram revelados neste período os chamados “isentões”, centristas de ocasião e omissos que se enfurnam nos bastidores, desobrigados de explicarem seus votos e se escondendo da luz política. Sabe aquele “nem é carne, nem é peixe”? Pois é, eles existem aos montes e, para se justificarem, tiram do bolso o argumento mais raso e tolo: “Sou contra a polarização”. Bingo! com isso o sujeito acha que tem alvará para se omitir e, dependendo do público, atacar qualquer dos lados. De vez em quando arrotam uma bobagem do tipo: “Os dois lados têm coisas boas e coisas ruins”. Fica evidente aí, além da ignorância, a falsa equivalência, como se os lados fossem igualmente válidos. Afetando uma virtude “acima dos extremos”, adotam uma atitude que Kant (Fundamentação da Metafísica dos Costumes, 1785) denominaria de adaptação dos princípios para manter uma aliança de poder. Político tem que ter lado, imparcialidade pertence à Justiça, e à imprensa quando possível, considerando que deve buscar a verdade.
No século XX, o centrismo foi duramente enfrentado tanto pela esquerda quanto pela direita. Em 1953, por Aneurin Bevan, figura central da ala esquerda do Partido Trabalhista do Reino Unido. Ele dizia enfaticamente: “Sabemos o que acontece com quem fica no meio da estrada. Eles são atropelados”. O contexto era da polarização ideológica pós-Segunda Guerra Mundial. Para Bevan, o “meio da estrada” não era um lugar de equilíbrio sensato, mas de covardia política e ineficiência sistêmica. Ele acreditava que o capitalismo e o socialismo eram forças irreconciliáveis no longo prazo, e que tentar conciliar interesses de classes opostas sem uma direção clara resultaria em paralisia, deixando a classe trabalhadora desamparada.
Bevan usava a imagem do atropelamento para ilustrar que o “centro político” é o ponto de maior impacto das forças que vêm de ambos os lados (Direita e Esquerda). Na visão dele, o centro tenta agradar a todos e acaba não resolvendo os problemas estruturais de ninguém e, sem uma base ideológica sólida, o “centrista” é vulnerável à primeira crise severa, pois não possui princípios de resistência contra os polos.
Já nos anos 1980, Margaret Thatcher, do Partido Conservador, praticamente repetiu a frase. Ela disse: “Ficar no meio da estrada é muito perigoso; você é derrubado pelo tráfego de ambos os lados.” nesta frase observamos o encontro de duas mentes que, embora em polos opostos (Bevan era um socialista convicto e Thatcher a face do liberalismo conservador), compartilhavam um profundo desprezo pelo consenso e pela indecisão. Se Bevan usava a frase para atacar o centrismo “morno” do pós-guerra, Thatcher a utilizou como um mantra para as suas reformas radicais nos anos 80.
Quando Thatcher assumiu em 1979, o Reino Unido vivia o chamado “Consenso de Butler”, que era uma política de “meio-termo” onde tanto conservadores quanto trabalhistas aceitavam o Estado de bem-estar social e o forte poder dos sindicatos. Para ela, esse “meio da estrada” estava levando o país à ruína econômica (o “Mal Britânico”) e a política não deveria ser sobre agradar a todos, mas sobre ter convicções inabaláveis. Meteu o pé e endireitou a Inglaterra.
Aproveitamos para lembrar outra frase basilar de Margareth Tatcher: “Consenso é o processo de abandonar todas as crenças, princípios, valores e políticas em busca de algo em que ninguém acredita, mas ao qual ninguém se opõe.” Para ela, o centro não era apenas perigoso (como disse Bevan), era moralmente vazio. Ela preferia o conflito direto e a vitória de uma ideia sobre a outra do que uma solução “mista” que não resolvia o problema central.
No Brasil do século 21, temos um arremedo de centro que não passa de centrismo de ocasião, afirmado apenas no pragmatismo de se colocar no poder. De Brasília a Rio Branco, nos partidos e na mídia, diversos atores se revezam com essa conversa mole de extrema isso, extrema aquilo. Parecem crianças com medinho do lobo mau extremista, mas são mesmo é espertos que procuram uma vaga no poder. É claro que isso não significa que devamos todos sermos radicais, mas temos que assumir nossa identidade claramente, sem essa de nem nem. Sempre haverá extremos para quem conhece a “janela de Overton”.
Então, como me alinho ao grupo que tem princípios inarredáveis e valores morais firmados, não posso deixar de acusar, em todos os níveis, de Brasília ao Acre, a corrida oportunista para o “centro” que alguns candidatos fazem, como se a neutralidade perante a política nacional fosse uma posição respeitável. Garanto que não é. Especialmente no Acre e em outros estados de população pequena, sabemos facilmente quem é quem e em qual parquinho se divertem, portanto, senhores e senhoras candidatos(as), desçam do muro, o povo está vendo suas vergonhas e, não esqueçam, como escreveu Dante Alighieri, de que no inferno os lugares mais quentes estão guardados para os que se declaram neutros em tempos de guerra.
Valterlucio Bessa Campelo escreve semanalmente nos sites DIÁRIO DO ACRE, ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites. Seu último livro “Arquipélago do Breve” encontra-se à venda através de suas redes sociais e do e-mail valbcampelo@gmail.com.



