Por que alguns políticos perderam o medo da opinião pública?

Políticos de praticamente todos os partidos passaram pelos meus cursos de oratória. Ensinei muito a “Suas Excelências” ao longo desses 50 anos atuando como professor, mas estou convencido de que aprendi mais ainda com eles. Assim é a vida em sala de aula. Na ECA-USP, por exemplo, ministro aulas em quatro cursos de pós-graduação há 23 anos. Como os alunos que me procuram na nossa escola são altos executivos e profissionais liberais renomados, o risco é de que, em contato frequente com eles, a minha linguagem pudesse perder a atualidade. A universidade serve, portanto, como espécie de antídoto para “esse veneno”.

Verifico se consigo vencer o celular

Ali, diante daquela garotada, posso verificar se as piadas continuam a ser engraçadas e se consigo manter a atenção de 40 a 50 alunos por três horas seguidas, vencendo a concorrência do celular. Esse “oxigênio” que recebo areja a minha comunicação e me mantém sempre rejuvenescido na atividade que desenvolvo nessas cinco décadas.

Com os políticos não é diferente. Ouço suas queixas, suas inseguranças, suas estratégias, suas aspirações. Ajudo cada um deles a elaborar seus discursos, a treinar suas apresentações, a conceder entrevistas e a participar de ferrenhos debates. Depois, acompanho o resultado no dia a dia, geralmente pela televisão.

Treinam uma mensagem, mas defendem outra tese

A maioria se comporta de acordo com o combinado. Alguns, entretanto, me surpreendem com suas mudanças e improvisações. Que magia os atinge na passagem da sala de aula aos estúdios de televisão para mudarem tão radicalmente? Estava claro que defenderiam determinadas posições, mas, aparentemente sem motivo, passam a advogar ideias distintas.

No início dos anos 1980, presenciei um episódio marcante para mim. Conversávamos eu, o então deputado Gastone Righi e Michel Temer. Righi era um parlamentar experiente. Ele, Roberto Jefferson e Roberto Cardoso Alves protagonizaram os mais espetaculares embates contra a bancada do PT na Câmara dos Deputados.

Temer e Gastone Righi

Destilando todo o seu conhecimento, ele disse a Temer: o maior pavor de um político é perder uma eleição. Nem dá para imaginar o que significa ficar fora do poder, alijado das decisões por quatro anos. Corre o risco de desaparecer e nunca mais recuperar o cargo. Temer ainda não havia concorrido às eleições naquela época, por isso, disse simplesmente: pois é.

Durante muito tempo, os políticos tiveram essa preocupação de observar as movimentações do povo. Se as pessoas estavam ou não a favor de determinada causa. Quais suas críticas e desejos. Para ir ao encontro dessa tendência, mudavam de opinião e alguns até traíam seus pares. Tudo para não perderem os eleitores e garantirem a votação nas urnas.

Aumento do número de parlamentares e reeleição

De uns tempos para cá, todavia, esse comportamento tem se alterado. A população vai às ruas em manifestações que reúnem centenas e centenas de milhares de pessoas. Deixam claro o que esperam que seus representantes defendam, mas os parlamentares, movidos por interesses pessoais, parecem surdos a essas súplicas.

Agora, por exemplo, o Datafolha divulgou uma pesquisa significativa: 76% dos entrevistados não aceitam o aumento de 513 para 531 deputados, e 57% não querem o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos. Nos bons tempos em que temiam a opinião pública, fariam de tudo para demonstrar que estavam alinhados a essa tendência.

Só interesse pessoal

Hoje não é bem assim. A iniciativa recebeu aval das duas casas legislativas. Até as justificativas para essa decisão são risíveis. Dizem que esse acréscimo será importante para manter a representação. Na verdade, escondem o fato de que, com essa manobra, acabam distorcendo a proporção entre o número de parlamentares e o tamanho da população de alguns estados.

Sobre a emenda que põe fim à reeleição, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, não há prova convincente de que essa medida será benéfica para o país. Vão rodopiar aqui e ali, mas jamais confessarão que o objetivo é o de poderem concorrer mais rapidamente a esses almejados cargos. E assim vamos aprendendo. Pelo menos, como nesse caso, a não confiar nas “nobres intenções” que costumam anunciar. Siga pelo Instagram: @polito.

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