As ONGs e a regularização fundiária na Amazônia

Eu ainda me recordo do que foi o governo do Partido dos Trabalhadores – PT no início de 1999. As propostas do ambientalismo radical estavam em evidência. Propostas que se inspiravam na atividade política do líder seringueiro Chico Mendes, que havia sido morto (vítima de um homicídio), fazia pouco mais de uma década. E nas ONGs estrangeiras.

O governo de então chegava ao poder com o objetivo de botar em prática o que defendia o ambientalista Chico Mendes (por trás de quem estavam as ONGs). Recordo-me que se falava muito no sentido de fazer com que se valorizasse o extrativismo; base da economia do Estado do Acre que havia entrado em crise desde os anos 50 do século passado, decorrente da crise da borracha no mercado internacional.

Para escrever esse artiguete tentei resgatar o plano de Governo do Partido dos Trabalhadores – PT, das eleições majoritárias de 1998. Não o encontrei. Não me recordo se naquela época a legislação eleitoral exigia que se depositasse junto à Justiça Eleitoral um programa de governo. O fato é que não localizei. Pelo menos não está disponível na rede mundial de computadores.

Meu objetivo era confirmar em documento do Partido dos Trabalhadores -PT o que se propunha como estratégia para desenvolver o Estado do Acre. Qual era a política pública mais significativa, defendida pelos que lograram se eleger nas eleições de 1998, no sentido de conduzir o Estado para o desenvolvimento, criando emprego e renda.

Como não tive acesso ao documento buscado, ouvi um discurso do ex-senador Jorge Viana sobre o seu primeiro governo que se iniciou em janeiro de 1999. A tônica do discurso – o argumento central – não se refere sobre alguma política pública com a qual pretendesse enfrentar as dificuldades econômicas de um Estado pobre, carente de recursos que mantivessem sua população em condições de dignidade. Não.

No discurso o ex-Senador Jorge Viana fala da realidade em que encontrou o Estado do Acre. Faz um balanço. O crime organizado, e como o combateu, os salários atrasados, os salários defasados, o sucesso que obteve com a arrecadação de impostos, a política tributária que a partir de então adotou, etc. E, ao mesmo tempo, faz elogios ao seu governo (primeiro mandato), por ter retirado o Estado das dificuldades deixadas pelos governos anteriores (Direita). Em síntese, é nesse sentido o discurso.

Tentei obter por outras fontes de informações qual foi a estratégia do Partido dos Trabalhadores – PT, nos oito anos de governo a partir de 1999, em que o partido que liderava uma frente de esquerda adotou para dar rumo à economia acreana. Localizei um discurso do ex-senador Jorge Viana, proferido em 2017, na Tribuna do Senado da República. Serviu-me de base, por ser o líder da esquerda acreana.

O discurso do ex-senador Jorge Viana é sobre um conflito agrário no município de Xapuri. Como ele diz no discurso, teve repercussão dentro e fora do Estado. Uma demanda que envolvia a Reserva Chico Mendes. Em sua fala o ex-senador elogia a nova diretoria do sindicato – e pelo tom laudatório – percebe-se que a nova diretoria estava composta de pessoas ideologicamente próximas do político acreano.

Nas entrelinhas do discurso do líder da esquerda acreana vislumbro duas convicções que ainda continuam firmes e intactas na sua consciência, ao longo dessa última vintena de anos: a 1ª delas é a crença na criação de reservas extrativistas (terras e públicas) como base do desenvolvimento acreano (proposta do líder seringueiro Chico Mendes e ONGs estrangeiras); e a 2ª, no extrativismo como base da economia, no escopo de manter as pessoas no interior da floresta , evitando o êxodo para as cidades.

Acho que a esquerda se apoiava nessas duas propostas para conduzir os destinos do Estado acreano enquanto estiveram no poder. Criação de reservas extrativistas e economia do extrativismo, cujas inspirações eram, no plano interno, na militância de Chico Mendes como ambientalista, e no plano internacional, na atuação das ONGs estrangeiras.

De pequenos excertos do discurso do ex-senador Jorge Viana chego a essa conclusão, que acho que é o sentimento de todos que viveram no Acre nesse último quarto de século. Eis alguns trechos do discurso que reforçam minha convicção e do povo como um todo.

O discurso vai sendo construído para, em seu desfecho, o ex-senador trazer à tona como foi concebida a criação das reservas florestais por Chico Mendes e seus companheiros (proposta generosa), com a qual concorda, e que foi a ideia que inspirou toda a administração da esquerda do Acre ao longo de mais de 20 anos.

Eis o que disse: “Foi dessa maneira que muitas cidades do Acre e da Amazônia incharam. Não foi diferente com Xapuri, não foi diferente com Rio Branco. E, quando o Chico Mendes entendeu e começou a trabalhar mais na questão da floresta, ele também, junto com seus amigos – e foi aqui na UnB, em 1985, o primeiro encontro nacional de seringueiros -, foi mais além. E concebeu-se ali uma proposta de unidade de conservação da floresta , que incluía as pessoas, a ocupação humana. Daí surgiu a ideia das reservas extrativistas”.

A partir dessa proposta de Chico Mendes e seus companheiros, é que a esquerda acreana passa a acreditar que a solução para a ocupação da Amazônia devia se dar com a criação de unidades de conservação, ou seja, fazer com que as terras da Amazônia, ao invés de privatizadas pela regularização fundiária, sejam transformadas em terras públicas (reservas extrativistas).

Depois da “Operação Suçuarana”, recentemente realizada no Estado do Acre, e outras tantas realizadas na Região, fatos bem documentados no livro de Aldo Rebelo “Amazônia – Maldição de Tordesilhas”, chega-se à conclusão de que a ideia de fixar o produtor na terra, mediante criação de reservas extrativistas, foi um verdadeiro engodo (falácia).

Testemunhamos na operação acima referida, o aparato policial usado pelo Estado para confiscar os bens dos produtores rurais e retirá-los de suas posses, conforme depoimentos que ouvimos em audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado. Vários depoimentos de produtores rurais.

No parágrafo seguinte o ex-senador fala (tece loas) a economia que criou nessa moldura de estatização das terras do Acre: “E é exatamente essa reserva extrativista, símbolo de tudo isso – no Cachoeira e em Xapuri -, que hoje pode virar, se não for feito nada, um palco de novos conflitos , dessa agressão contra famílias que ocupam essas áreas, que criaram seus filhos. Hoje, graças às políticas que temos feito – tentado fazer, pelo menos no Acre, valorizando os produtos da floresta -, hoje a castanha-do-brasil, hoje a borracha, com a fábrica de preservativos de Xapuri, que foi construída na época em que eu era governador… As fábricas de castanha – pelo menos boa parte delas -, a fábrica de preservativo e a fábrica de tacos hoje não só estão empregando como também são parte dessa cadeia produtiva, que para nós é fundamental, que vê a floresta como ativo econômico, vê a floresta como base da nossa economia”.

Ora, nada animador para o Estado do Acre o legado dessa política de estatização das terras do Acre, com a criação de reservas extrativistas. São 132 mil famílias no Estado que hoje vivem de bolsa família. Para cada 1,45 beneficiados do bolsa família, existe apenas uma pessoa de carteira assinada. Se considerarmos que cada família tem em média 05 membros integrantes, 660 mil pessoas do Acre dependem do benefício assistencial. Uma tragédia! Mais da metade da população.

Essa mentalidade que inspirou as políticas públicas implantadas pela esquerda acreana, nos últimos 25 anos, não tinha um contra- ponto. Quem fazia oposição à esquerda apenas disputava o poder. Buscava cargos no executivo e no legislativo. Nada mais.

Lembro que o partido que estava no poder se ufanava de que seus opositores não tinham projeto. E era uma verdade! A oposição não tinha convicções capitalistas para apresentar o projeto contrário à ideia de terras públicas (socialismo). O projeto contrário (capitalismo), portanto, privatização das terras do Acre pela regularização fundiária, deveria ser a proposta da oposição.

Com a polarização da esquerda e da direita, nos últimos 07 (sete) anos, a maioria dos líderes da “direita” acreana, bandeou-se para a esquerda. No Acre, portanto, havia apenas um discurso único de esquerda.

Poderia dizer, divergindo do ex-senador Jorge Viana, que não acredito que a ideia de criação das reservas florestais tenha sido concebida pelo ambientalista Chico Mendes. As ideias neomalthusianas e de santuarização da Amazônia são concebidas pelas ONGs estrangeiras. São elas que exercem o maior protagonismo e influência sobre os destinos da Amazônia. Chico Mendes era um bom nome para assumir a proposta. Mais cômodo para as ONGs.

Enfim, perdemos tempo! Não tínhamos um projeto para com ele nos contrapor a política de estatização das terras do Acre. E a proposta é a da regularização fundiária. Essa deve ser a proposta da Direita. Esperamos que os que hoje são pré-candidatos ao cargo de governador do Estado compreendam a importância dessa política pública.

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