Valterlucio Campelo: ‘O desperdício de alimentos é inadmissível’

Estimulado pelo artigo do Senador Alan Rick, publicado no jornal O Estadão desta quinta-feira, tratando da Política Nacional de Combate a Perdas e Desperdício de Alimentos,  me pus a analisar alguns aspectos da questão no Brasil.

Em primeiro lugar, vejamos o que significam perda e desperdício, segundo a própria Lei. Perda de alimentos é a redução da disponibilidade de alimentos para consumo humano ao longo da cadeia de abastecimento alimentar, sobretudo nas fases de produção, pós-colheita e processamento; Desperdício de alimentos é a perda de alimentos ocorrida ao final da cadeia alimentar, no varejo e no consumo final, em virtude de comportamentos adotados em estabelecimentos varejistas, em restaurantes e em domicílios. No total, nada menos que 30% de tudo que se produz não é aproveitada.

Pois bem, o Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, convive com uma contradição importante: enquanto 30% da produção de alimentos é desperdiçada anualmente, mais de 60 milhões de brasileiros são dados como vivendo em situação de insegurança alimentar, ou seja, não tem a garantia de que poderá comer adequadamente, gerando preocupação ou mesmo a experiência de fome.

Neste sentido, é necessário examinar a relação entre o consumo médio de alimentos por brasileiro e o desperdício gerado ao longo da cadeia produtiva e no consumo doméstico reflete não apenas ineficiências estruturais, mas também hábitos culturais e falta de conscientização.

O consumo médio de alimentos por pessoa no Brasil é estimado em cerca de 300 a 400 kg por ano, conforme dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Esse valor considera os alimentos disponíveis para consumo após perdas na produção e no transporte, incluindo itens como grãos, frutas, vegetais, carnes, laticínios e produtos processados. Em termos calóricos, o brasileiro consome, em média, cerca de 3.000 kcal por dia, o que equivale a aproximadamente 1 kg de alimentos por dia ou 365 kg por ano, ajustado para perdas no preparo doméstico.

Temos, portanto, no Brasil, um problema de proporções alarmantes. As estimativas são de que cada brasileiro desperdice, aproximadamente 41 kg de alimentos por ano, vale dizer, para cada 10kg consumido, mais de 1,0kg é desperdiçado, observando que se trata de um país onde 33% da população enfrenta insegurança alimentar moderada ou grave, conforme dados do IBGE e da Rede PENSSAN (2022).

Em exame rápido, as perdas estão localizadas em quatro eixos, principalmente:  Produção e colheita (30-40%) – perdas devido a pragas, condições climáticas, falhas na colheita ou padrões estéticos exigidos pelo mercado; transporte e armazenamento (20-30%); falta de infraestrutura, como câmaras frias, e longas distâncias logísticas; varejo (10-15%) – descarte de alimentos próximos ao vencimento ou com aparência imperfeita; consumo doméstico; (10-15%) -compras excessivas, má conservação e descarte de sobras.

A Política Nacional de Combate ao Desperdício e a Lei 15.224/25 a que se refere o senador Alan Rick em seu artigo apontam para soluções interessantes, especialmente para o eixo do varejo, à medida que tem a ver com a doação a bancos de alimentos, parcerias com ONGs e cozinhas comunitárias e, também, com o próprio Estado via comercialização de produtos da agricultura familiar (priorizar a compra de produtos da agricultura familiar local). Isso reduz custos logísticos, promove a economia local e, em muitos casos, pode levar a preços mais justos para o consumidor.

Além disso, o senador propôs em seu relatório o aumento de 2% para 5% da alíquota de dedução para doações, incluindo a Contribuição Sobre o Lucro Líquido – CSLL e a empresas de regime de lucro presumido. Isso viria somar outras empresas à Política, além das grandes cadeias de supermercados. O veto presidencial a essa parte da proposta inibe as pequenas e médias empresas, que podem dar uma grande contribuição.

É importante pois, o alerta do senador para que os parlamentares realmente derrubem o veto presidencial, e contribuam efetivamente para que se desenvolva um programa sério de redução dos desperdícios alimentares.

A par disso tudo, sinto falta, não de hoje, de que os governos ativem uma campanha consistente de informação, no sentido de esclarecer a população sobre formas de redução do desperdício doméstico e nos restaurantes e fast foods, que se apresenta como uma das principais causas das perdas totais. É muito comum vermos na TV referências à qualidade e poder nutritivo dos alimentos, entretanto, normalmente deixam de fora os aspectos financeiros e as formas de aproveitamento integral dos alimentos adquiridos. A cena comum de deixar restos de comida no prato enquanto na rua irmãos passam fome não é natural, não é digna, precisa ser também combatida.

Valterlucio Bessa Campelo escreve semanalmente nos sites AC24HORAS, DIÁRIO DO ACRE, ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites. Seu último livro “Arquipélago do Breve” encontra-se à venda através de suas redes sociais e do e-mail valbcampelo@gmail.com.

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