Pecuária brasileira será apresentada na COP 30 como parte da solução climática

“Ser a voz da pecuária sustentável do Brasil para o mundo”. Essa é a visão estabelecida pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (MBPS). Com quase duas décadas de história, a associação multissetorial levará à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), em Belém (PA), as oportunidades de mitigação de emissões e boas práticas aplicadas à pecuária brasileira.

No documento de posicionamento da MBPS para a COP 30, a pecuária brasileira é apontada como um componente estratégico para a segurança alimentar mundial. Isso ocorre, uma vez que a cadeia oferece, não apenas proteínas de alto valor biológico, mas também oportunidades concretas de desenvolvimento sustentável e resiliência climática. 

Entretanto, apesar de a produção de carne bovina brasileira ocupar cerca de 179 milhões de hectares de pastagens em todo o País, o setor ainda enfrenta um importante desafio: o uso extensivo das áreas e o baixo investimento em manejo. Dos hectares ocupados atualmente, mais de 60% apresentam baixo ou médio vigor, ou seja, são pastagens degradadas ou em processo de degradação. Estima-se ainda que a produtividade das pastagens cultivadas no Brasil atinja apenas 34% de seu potencial. 

Isso significa, segundo Ana Doralina Menezes, presidente da MBPS, que há uma oportunidade para ganhos significativos em produtividade e capacidade de gerar maior produção de alimentos sem a necessidade de abrir novas áreas. Argumento que será defendido na COP 30. “É importante termos protagonismo, proatividade, trazer informações, resultados de pesquisa, números, dados, sugestões de políticas públicas ou modelos, como foi o caso do projeto de rastreabilidade, que nasceu de um grupo de trabalho da Mesa. A Mesa tem esse papel de discussão e de representação do setor”, afirma. 

Além de presidir a MBPS, Ana Doralina Menezes vive, na prática, os desafios e as transformações do campo. Produtora rural, da quinta geração da família a atuar na mesma área, ela carrega um forte vínculo com a terra e com a história da pecuária brasileira. 

Formada em medicina veterinária e filha de um zootecnista, ela cresceu no campo. Hoje, conduz a produção familiar em uma área de proteção ambiental (APA) do Rio Ibirapuitã, no Rio Grande do Sul. Por lá, ela adota práticas de produção totalmente integradas à natureza, sem revolvimento do solo, por exemplo, e com respeito à fauna e à flora locais. “É motivo de muita alegria e fé poder continuar esse legado, manter o campo saudável e honrar as gerações que vieram antes, deixando a terra melhor para os nossos filhos”.  

Em conversa com o Agro Estadão, Ana destaca a relevância da pecuária brasileira como aliada na agenda de desenvolvimento sustentável e no cumprimento dos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil. Confira:

O foco principal da Mesa, que já vem no nome, é a sustentabilidade. Hoje, quando falamos de pecuária sustentável, de quais elementos estamos falando?

A pecuária sustentável se baseia em conciliar produtividade, conservação ambiental e resiliência climática, contribuindo para a segurança alimentar e o desenvolvimento do País. O Brasil tem um papel fundamental nisso: alimentamos cerca de 14% da população mundial com produtos brasileiros, não só proteína bovina, mas todas as proteínas e grãos. Então, sustentabilidade é gerar valor econômico, social e ambiental ao mesmo tempo, sem expandir áreas, utilizando as mesmas, por meio da recuperação de pastagens. 

Você mencionou a questão da recuperação de pastagens. Quando falamos desse potencial de aumentar a produção sem abrir novas áreas, como a MBPS vem trabalhando com o governo e o setor para disseminar essa prática?

O caminho da pecuária sustentável brasileira está muito ligado às integrações, como a integração lavoura-pecuária, lavoura-pecuária-floresta e recuperação de pastagens degradadas. A Mesa tem ciência disso, e esses temas serão destaque na COP, pois mostram o potencial do Brasil em produção e remoção de carbono (CO₂) da atmosfera. Estudos mostram que podemos aumentar 30% da produção de carne, preservando cerca de 7 milhões de hectares de vegetação nativa, gerando até R$ 200 bilhões em valor adicional e removendo até 66 milhões de toneladas de CO₂ da atmosfera. 

E hoje, qual é o grande desafio para atingir essas projeções?

O grande desafio para essa transição é o financiamento. O custo estimado de recuperação de áreas prioritárias na Amazônia e no Cerrado é de cerca de US$ 127 bilhões de dólares. Por isso, é essencial o apoio financeiro para viabilizar esse caminho. E políticas públicas como o Plano ABC+ são oportunidades para comprovar a sustentabilidade do agronegócio brasileiro.

A Mesa vai buscar viabilizar esses investimentos na COP 30? 

Sim, sem dúvida. Nossa proposta e comunicação tratam muito desse tema, com base em dados, projeções e custos. A mesa tem esse papel de representar o setor, mostrar os ganhos não só para os produtores, mas para o País, em potencial de PIB [Produto Interno Bruto], desenvolvimento e abertura de novos mercados. Precisamos ser atrativos para investimentos, encurtar caminhos para que esses recursos cheguem até o produtor rural, que realmente precisa deles.

Pensando no pequeno e médio produtores, como encurtar esse caminho?

É importante entender a realidade. No Brasil, 88% dos estabelecimentos rurais têm até 200 hectares, ou seja, a maior parte da produção vem de pequenos e médios produtores. O desafio é o acesso à tecnologia e o custo de adoção. Eles conhecem as tecnologias, mas muitas vezes não conseguem aplicá-las por questões financeiras.

Precisamos tornar as tecnologias economicamente acessíveis e garantir assistência técnica contínua, não apenas pontual. Também é essencial criar mecanismos financeiros que levem o recurso até a fazenda, sejam públicos ou privados, e valorizar práticas sustentáveis com remuneração e incentivos fiscais.

Um ponto trazido no posicionamento da MBPS para a COP 30 é a inclusão da pecuária no sistema brasileiro de comércio de emissões. Quais são os desafios para que isso aconteça?

O principal desafio são as métricas. Precisamos de metodologias adaptadas à realidade da pecuária tropical. O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões reconhece o setor, mas a produção primária ainda não está totalmente incluída no mercado regulado.

Mesmo assim, práticas como recuperação de pastagens, integração lavoura-pecuária-floresta, manejo do solo e uso de aditivos podem gerar créditos de carbono. A mesa defende o avanço em padrões nacionais compatíveis com o Acordo de Paris, com métricas por intensidade e simplificação de acesso, para que o valor do carbono chegue até o produtor. Temos que valorizar o fato de o setor primário ser o único capaz de sequestrar carbono pela fotossíntese. E no Brasil, com sol o ano todo, isso é um diferencial enorme.

Esses pontos estão ligados à criação da calculadora oficial de carbono da pecuária, sugerida por vocês?

Exatamente. A ideia é criar uma ferramenta nacional, pública e padronizada, que permita ao produtor calcular seu balanço de carbono de forma simples e confiável, com metodologia brasileira. Essa calculadora, em desenvolvimento pelo BNDES com a FGV, deve usar fatores adaptados à nossa realidade tropical, refletindo o que de fato é produzido em nossas áreas integradas e de múltiplas safras. Também contará com governança participativa: setor produtivo, ciência e governo, garantindo credibilidade, transparência e acesso a mercados de baixo carbono.

Em resumo, qual marca a Mesa quer deixar na COP 30 sobre as contribuições da pecuária brasileira para o enfrentamento das mudanças climáticas? 

Sem dúvida, que a pecuária brasileira é parte da solução para os desafios climáticos e da segurança alimentar global. O Brasil produz um alimento nutritivo, saudável e responsável, aumentando produtividade sem expandir área, com rastreabilidade e transparência. Nosso papel é alimentar o mundo com carne sustentável, respeitando o ambiente, os animais e as pessoas. Para isso, precisamos de reconhecimento, métricas adequadas e financiamentos em larga escala, que permitam a inclusão produtiva e a transição tecnológica. A COP é o espaço ideal para mostrar isso ao mundo: que o agronegócio brasileiro é essencial para garantir mitigação climática, conservação ambiental e segurança alimentar.

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