O Brasil pode encerrar 2025 com mais de 2,14 bilhões de litros equivalentes de leite importados, o pior resultado da série histórica. Segundo projeções do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP) o preço pago ao produtor pode chegar a R$ 2,18/litro em dezembro.
As estimativas foram apresentadas pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), nesta terça-feira 4, durante uma audiência pública realizada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados.
Na oportunidade, parlamentares e lideranças do agronegócio discutiram a implementação de um contrato futuro de leite no Brasil, como forma de mitigar riscos de mercado, aumentar a previsibilidade de preços e fortalecer a competitividade do setor.
A cadeia leiteira enfrenta uma das piores crises dos últimos anos, pressionada pelo aumento das importações, crescimento da produção e retração no consumo interno. De acordo com um levantamento do Cepea/Esalq-USP, o preço médio do leite cru caiu 20% em um ano.
Em agosto, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) decidiu não aplicar medidas antidumping (mecanismo de defesa comercial contra produtos vendidos abaixo do custo de produção) sobre o leite em pó da Argentina e do Uruguai. A CNA apresentou novas evidências da prática e pediu a reabertura da investigação. O resultado, inicialmente previsto para 30 de setembro, já foi adiado duas vezes.
Segundo o assessor técnico da CNA, Guilherme Dias, as importações em 2025 estão 88% acima da média de 2014 a 2024. “Os dados do Cepea projetam um preço do leite na média nacional a R$ 2,18 em dezembro. […] Existem relatos de produtores recebendo R$ 1,70, R$ 1,80, algo que fica muito aquém dos custos de produção”, afirmou. Para ele, “antidumping é o único antídoto para reduzirmos os impactos das importações de leite no curto prazo aqui no País”.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion, classificou o volume importado como injustificável e destacou que tem cobrado o governo de forma recorrente. Para Lupion, não há justificativa técnica para adiar a aplicação de medidas antidumping. “Está claro, no dia a dia da produção agropecuária, o que está acontecendo com as propriedades de leite no País”, disse.
O deputado Valdir Cobalchini (MDB-SC), propositor da audiência, destacou que o aumento das importações e a revisão da interpretação antidumping criam concorrência desleal e “abrem uma brecha perigosa”, ao desproteger o produtor nacional.
Cobalchini defendeu instrumentos modernos de proteção contra oscilações de preços. “É importantíssimo que haja um mercado futuro de leite, para que o produtor, ao vender o seu produto, já tenha um preço mínimo conhecido”, disse.
Leite operado na B3
Durante a audiência, Guilherme Dias explicou que a CNA estuda, desde o ano passado, a criação de um mercado futuro do leite a ser negociado na B3. A proposta permitiria a produtores e indústrias fixar preços com antecedência, reduzir riscos e garantir previsibilidade de renda — como já ocorre com contratos de boi gordo, soja, milho, café e etanol.
A CNA montou um grupo de trabalho com cooperativas, indústrias e representantes da cadeia produtiva para definir requisitos técnicos. O levantamento identificou “uma correlação altíssima entre o preço dos derivados leite UHT, pó e queijo muçarela, com os preços do leite ao produtor”, o que reforça a viabilidade do contrato.
Caso a proposta avance, a próxima etapa será definir a instituição responsável pelo cálculo do indicador de liquidação. Entre as opções estão UFPR, Datagro, GV/Scot Consultoria e Cepea.
Embrapa propõe criação de fundo para fortalecer a cadeia no longo prazo
O chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, José Luiz Bellini Leite, reforçou a necessidade de que as medidas emergenciais sejam acompanhadas de ações estruturantes voltadas ao desenvolvimento da cadeia no longo prazo. Ele defendeu a criação de um fundo do leite, financiado por uma taxa incidente sobre as importações, como forma de garantir recursos permanentes para apoiar o setor.
Segundo Bellini, os recursos seriam geridos pela iniciativa privada e poderiam ser direcionados para pesquisa, desenvolvimento, transferência de tecnologia e capacitação de produtores e técnicos. Para ele, essa seria uma forma de estruturar um programa contínuo de desenvolvimento, garantindo que a cadeia leiteira tenha condições de competir de forma sustentável.
Bellini alertou que, sem medidas estruturantes, o setor pode continuar enfrentando ciclos de crise. “Se não, nós vamos estar daqui a um ou dois anos de novo discutindo isso”, disse.




