Estudo destaca o valor nutricional e cultural dos feijões crioulos cultivados por agricultores familiares do Acre.
Um estudo conduzido no Vale do Juruá, no Acre, identificou variedades de feijão com teores de proteína superiores às médias nacional e mundial. Os feijões-caupi Costela de Vaca e Manteiguinha Branco (Vigna unguiculata (L.) Walp.) apresentaram até 27% de proteína, enquanto a média de outras regiões fica em torno de 20% — ou seja, 35% a mais.
Também conhecido em outras regiões do País como feijão-de-corda, feijão-macassar ou feijão-fradinho, o caupi é uma espécie típica das áreas tropicais, resistente à seca e rica em proteínas e ferro.
As análises foram realizadas no laboratório de Bromatologia da Embrapa Acre. Segundo a pesquisa, as duas variedades são cultivadas por agricultores familiares que mantêm sistemas agrícolas tradicionais, geralmente em áreas de várzea, durante o período seco. “Essas variedades possuem pouco ou nenhum estudo, o que deixa claro que ainda temos muito a conhecer sobre elas”, afirma Guiomar Almeida Sousa, professora do Instituto Federal do Acre (Ifac).
O diferencial nutricional dos feijões do Vale do Juruá está ligado à combinação entre condições ambientais favoráveis, manejo tradicional e diversidade genética. O solo fértil e o regime de chuvas da região favorecem a formação de grãos ricos em proteínas e compostos bioativos. As sementes crioulas, cultivadas sem o uso de insumos químicos e selecionadas há gerações pelos próprios agricultores, mantêm características originais que contribuem para o alto valor nutricional. Essa interação entre ambiente, cultura e biodiversidade explica por que os feijões locais se destacam em relação às variedades comuns.
O levantamento também constatou altos índices de antocianinas — substâncias antioxidantes naturais — em feijões das variedades Preto de Arranque e Preto de Praia. Os valores variaram de 420 a 962 microgramas por grama, superiores aos de feijões brancos e coloridos. Essas substâncias auxiliam no combate ao envelhecimento celular e na prevenção de doenças como câncer, problemas cardíacos e Alzheimer.
Costela de Vaca é o segundo na linha superior, e o Manteiguinha Branco, o primeiro na inferior. Foto: Amauri Siviero
A conservação dos grãos foi outro destaque do estudo. Mesmo após 12 meses de armazenamento, os feijões mantiveram seus valores nutricionais. “Esse é um ponto muito importante, considerando que as sementes são selecionadas e manejadas por agricultores familiares, indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais”, explica Amauri Siviero, pesquisador da Embrapa Acre.
Durante três anos, os pesquisadores avaliaram 14 variedades cultivadas nos rios Juruá, Breu, Tejo e Amônia, em Marechal Thaumaturgo — município com maior diversidade de feijões do Acre. O trabalho resultou na elaboração de um mapa da distribuição de variedades crioulas em todo o Estado. Siviero observa que “o cultivo dessa leguminosa ocorre em todos os municípios acreanos, mas a maior diversidade está no Vale do Juruá”.
Potencial para certificações
De acordo com o professor da Universidade Federal do Acre (Ufac) Eduardo Pacca, “o Vale do Juruá pode ser considerado um dos principais centros de conservação on farm de feijões caupi e comum do mundo”. Ele ressalta o potencial das variedades locais para obter certificações de origem e selos de qualidade.
Além do valor nutricional, os feijões do Vale do Juruá representam um patrimônio genético e cultural. A Embrapa coordena, com outras instituições, o projeto Registro dos Sistemas Agrícolas Tradicionais do Alto Juruá (RSAT Alto Juruá), que mapeia práticas agrícolas ancestrais na região. Em agosto de 2025, a equipe percorreu mais de 190 quilômetros pelo rio Juruá, visitando comunidades em sete municípios do Acre e do Amazonas.
Para Siviero, esses sistemas vão além da produção de alimentos. “Os feijões do Vale do Juruá se perpetuam como herança passada entre gerações e como práticas de conservação da agrobiodiversidade”, afirma.
A pesquisadora Elisa Wandelli, da Embrapa Amazônia Ocidental, destaca a sustentabilidade das práticas locais. “Nas comunidades que visitamos, vimos uma população sábia, que mostra que é possível produzir alimento e cuidar da natureza ao mesmo tempo”, diz.






