Recuperações extrajudiciais são “nova dor de cabeça” do agro, apontam especialistas

Não é novidade que os pedidos de recuperação judicial no agronegócio têm batido recordes consecutivos, essa, porém, não é mais a única preocupação do setor. Isso porque começa a se popularizar entre produtores e empresas endividadas as recuperações extrajudiciais. 

O mecanismo previsto em lei permite que devedores negociem acordos diretamente com seus credores, com posterior homologação pelo judiciário. Em tese, o modelo que não é uma novidade seria uma alternativa mais rápida e menos onerosa que o processo tradicional. Na prática, entretanto, especialistas alertam que as recuperações extrajudiciais podem agravar a insegurança jurídica no campo. 

Para Adauto Kaneyuki, sócio da J. Ercílio de Oliveira Advogados, a tendência preocupa. “Se a recuperação judicial era um problema, a extrajudicial vai ser uma dor de cabeça imensa. É como um filme de terror, com suspense, porque traz um ponto pior: a ausência de fiscalização”, afirmou o advogado durante o Conacredi Agro 2025 nesta quarta-feira, 12.  

Segundo ele, o principal risco está na falta de verificação da autenticidade dos créditos apresentados nos planos de recuperação extrajudicial. “A lei não obriga a presença de um administrador judicial para auditar os valores declarados. Uma simples planilha de excel pode ser suficiente para homologar uma dívida de milhões”, alertou.

Kaneyuki explica que, quando mais da metade dos credores aceita o acordo, o devedor já pode levá-lo ao juiz para validação oficial. Com isso, as condições negociadas passam a valer também para quem não concordou com o plano. “Isso torna o processo muito mais favorável ao devedor do que à recuperação judicial e, praticamente, elimina o poder de defesa dos demais credores”, disse.

A advogada Nancy Gomes, que também participou do debate, reconheceu que haverá disputas intensas nas cortes, mas acredita que o sistema judicial brasileiro hoje tem mais maturidade para lidar com as novidades. “A diferença em relação a 2014, por exemplo, é que agora o tema sobe rápido para as instâncias superiores. Já existe uma base jurisprudencial sólida em torno das recuperações judiciais que pode servir de referência para a extrajudicial”, afirmou.

Mesmo assim, o temor é que o movimento acabe reabrindo brechas em um momento em que o agronegócio enfrenta margens comprimidas, com queda de lucros. 

Para os especialistas, a expansão das renegociações pode gerar efeitos em cadeia, atingindo especialmente distribuidores e revendas de insumos agrícolas, que tradicionalmente operam com prazos longos e margens estreitas. “Quando um produtor entra em recuperação, o impacto imediato recai sobre o distribuidor, que dificilmente tem musculatura para absorver o prejuízo”, afirmou Kaneyuki. “Basta uma ou duas RJs de R$ 10 milhões para comprometer todo o resultado anual de uma empresa média, com faturamento em torno de R$ 300/400 por ano”, acrescentou. 

O cenário, segundo ele, repete o que ocorreu entre 2013 e 2017, quando uma onda de recuperações de distribuidores levou à consolidação do setor e à ascensão de grandes grupos nacionais. Desta vez, contudo, ele pondera que, até os grandes operadores vêm enfrentando dificuldades. “Se as plataformas nacionais estão em apuros, imagine as revendas regionais. […] É um momento para empatar, perder pouco e sobreviver até que a tempestade passe”, disse.

Consequências: crédito mais restritivo

No pano de fundo da discussão, está a falta de previsibilidade regulatória e a dependência do crédito privado em um ambiente de juros ainda elevados. Para Kaneyuki, o avanço das recuperações extrajudiciais pode minar a confiança do mercado. “O agro precisa de crédito privado, e o crédito privado precisa de segurança jurídica. […] Demoramos dez anos para consolidar entendimentos sobre a recuperação judicial. Agora, voltamos à estaca zero com a extrajudicial. É um recomeço que exige cautela e preparo de todos os agentes do crédito rural”, avaliou. 

Apesar do tom de alerta, parte dos especialistas vê espaço para evoluções estruturais. Para Nancy, o amadurecimento das jurisprudências e a entrada de novos players financeiros — como fundos de investimento e operações estruturadas de fomento — podem ajudar a transformar o sistema de insolvência em uma ferramenta de reestruturação produtiva e não apenas de postergação de dívidas.

Para a sócia do escritório Franco Leutewiler Henriques Advogados, o processo de recuperação judicial e extrajudicial deve ser visto como “um grande negócio de reequilíbrio financeiro, não como um estigma”. “A entrada de investidores institucionais pode trazer capital e governança, desde que exista transparência e coerência nas decisões judiciais”, destacou.

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