A nítida sombra do martelo

momentos na história de um país em que o som do martelo da Justiça deixa de confortar, e passa a inquietar. O martelo deveria soar como promessa de equilíbrio, mas às vezes se parece mais com o estrondo de uma vingança anunciada.

As últimas decisões do Supremo Tribunal Federal, sobretudo aquelas conduzidas pela mão enérgica, e por vezes impaciente, de Alexandre de Moraes, não apenas julgam réus; parecem querer julgá-los também moralmente, em praça pública, como se o processo fosse um teatro e cada ato precisasse agradar a plateia certa, à uma casta.

Há uma sensação difusa no ar de que não se trata somente de aplicar a lei, mas de demonstrar força, de cristalizar um recado: “neste país, certas estruturas não podem ser tocadas”. A liturgia do cargo se confunde com a armadura de um gladiador, e o tribunal constitucional mais importante da República se converte, não raro, na arena de um ajuste de contas.

E não importa, neste momento, se o personagem do drama é Bolsonaro ou qualquer outro. Porque o verdadeiro teste de uma democracia não é garantir direitos apenas aos que nos agradam, mas sobretudo àqueles que nos causam repulsa.

Se o devido processo legal se dobra ao clima político do dia, então ele não é mais devido, é ocasional.

Se as leis são reinterpretadas para justificar decisões já tomadas no espírito, então não são mais leis, são instrumentos de ocasião.

Se o julgador demonstra pressa em punir, mas reluta em fundamentar, o que se perde não é apenas a confiança, é o próprio pacto institucional que separa Justiça de revanche, percussão.

E quando isso acontece, algo silencioso e perigoso se instala: a ideia de que há castas, intocáveis, imunes à crítica; e há adversários que precisam ser exemplarmente expostos, não porque suas condutas assim exigem, mas porque o clima exige.

Democracia não é tribunal de guerra. E juiz não é inquisidor.

O país pode até atravessar um momento turbulento, mas a Constituição não é guarda-chuva de conveniência. Ela não deve ser aberta quando chove para uns, e fechada quando chove para outros.

O que está em risco, no fundo, não é apenas a figura de um ex-presidente. É o próprio tecido institucional, frágil como um pano que se rasga de tanto ser puxado para lados opostos.

E quando a Justiça, em vez de ser a balança, decide brincar de espada… a sociedade deixa de ser cidadã, e volta a ser súdita.

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