A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera pontos centrais da legislação sobre desapropriação de imóveis rurais destinados à reforma agrária, marcando uma das mudanças mais relevantes na política fundiária brasileira das últimas décadas. A proposta, que modifica a Lei 8.629/1993, redefine os critérios de avaliação das propriedades rurais e estabelece novas exigências para que um imóvel possa ser destinado ao programa federal de redistribuição de terras.
A principal mudança introduzida pelo texto é a determinação de que apenas propriedades consideradas improdutivas podem ser desapropriadas. Na prática, imóveis que comprovem produtividade passam a ser automaticamente resguardados, mesmo que apresentem irregularidades em critérios ambientais, sociais ou trabalhistas. O objetivo declarado pelos defensores da proposta é garantir segurança jurídica aos produtores rurais e evitar que propriedades economicamente ativas sejam alvo de processos de desapropriação.
Outra alteração relevante diz respeito ao conceito de “função social da propriedade”. Antes, a legislação permitia que o descumprimento de qualquer um dos requisitos — uso racional e adequado da terra, respeito ao meio ambiente, observância às normas trabalhistas e promoção do bem-estar de trabalhadores e proprietários — já fosse suficiente para iniciar o processo de desapropriação. Com a nova redação, torna-se necessário que todos esses critérios sejam descumpridos simultaneamente. Essa mudança é considerada por especialistas como uma das que mais restringem o alcance das ações de reforma agrária, já que reduz drasticamente o número de propriedades que se enquadrariam em situação irregular.
Um ponto que gerou intenso debate no plenário é a exigência de condenação judicial definitiva para que imóveis envolvidos em casos de crimes ambientais ou trabalho análogo ao escravo possam ser desapropriados. Deputados críticos à proposta afirmam que o dispositivo tende a inviabilizar a responsabilização de propriedades flagradas com irregularidades graves, já que processos judiciais desse tipo podem se estender por anos até o trânsito em julgado. Para esses parlamentares, a mudança enfraquece instrumentos de combate a violações no campo. Já os defensores alegam que a medida evita injustiças e impede que proprietários sejam punidos antes do encerramento de todos os recursos legais.
O projeto também elimina da legislação o trecho que mencionava “conflitos e tensões sociais” como elemento a ser considerado na avaliação da função social da propriedade. Segundo autores e apoiadores do texto, essa expressão criava margem para que ocupações e disputas locais fossem usadas como justificativa para desapropriações, o que, segundo eles, encorajaria invasões e aumentaria a insegurança jurídica no campo. Grupos contrários ao projeto discordam desse argumento e sustentam que o critério ajudava a identificar situações de grave tensão fundiária que exigiam intervenção estatal.
A aprovação das mudanças representa uma vitória para a bancada ruralista, que há anos defendia uma revisão dos mecanismos de desapropriação. Para os produtores rurais e representantes do agronegócio, o novo marco legal reduz incertezas, protege investimentos e impede que propriedades produtivas sejam incluídas em processos de reforma agrária. No entanto, organizações sociais e parlamentares da oposição afirmam que o texto enfraquece a política de reforma agrária e limita o papel do Estado na promoção da justiça social no campo, especialmente porque a exigência de descumprimento simultâneo de todos os requisitos constitucionais torna mais difícil caracterizar uma propriedade como irregular.
Com a aprovação na Câmara, o projeto segue para o Senado, onde ainda poderá sofrer alterações antes de eventual sanção presidencial. Caso seja mantido, a política de reforma agrária no Brasil passará por uma reorientação profunda, concentrando-se exclusivamente na desapropriação de imóveis comprovadamente improdutivos. Especialistas avaliam que essa mudança deve reduzir significativamente a quantidade de terras passíveis de serem destinadas à reforma agrária, ao mesmo tempo em que fortalece a proteção jurídica das áreas produtivas. A decisão ainda deve impactar o ritmo de assentamentos, a fiscalização de irregularidades no campo e a relação entre movimentos sociais e o Estado nos próximos anos.



