O ex-governador Geraldo Alckmin está entrando para a história política do Brasil como um caso extremo de hipocrisia, de falsidade ou de oportunismo — ou, muito provavelmente, as três coisas ao mesmo tempo. Trata-se de um exagero, mesmo para os baixíssimos padrões de moralidade da política nacional: é comum que a fauna desse ecossistema vire a casaca o tempo todo, e passe a dizer hoje o contrário do que dizia ontem, mas Alckmin é realmente uma história de superação. Dias atrás, ele assinou sua ficha de inscrição num desses pequenos partidos que prestam serviços ao PT e se qualificou, oficialmente, para ser candidato a vice-presidente na chapa de Lula nas eleições presidenciais de 2022. É a aliança mais cínica de que se tem notícia, há anos, na vida política brasileira.
Desde que começou a se anunciar a possibilidade dessa aberração, tempos atrás, Alckmin passou a ter um problema insolúvel. Antes de se dispor ao papel que está representando hoje, ele disse o seguinte: “Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ou seja, meus amigos, ele quer voltar à cena do crime”. Como sair, agora, de um negócio desses? Não foi a mídia que falou em volta à cena do crime, nem os adversários; foi ele mesmo, Alckmin, de sua livre e espontânea vontade, e por iniciativa própria.
Falando em português claro, para não complicar as coisas, Alckmin chamou Lula de ladrão — coisa que o seu principal adversário, o presidente e também candidato Jair Bolsonaro até agora não fez, não com essas palavras ou com essa clareza. Depois de ter dito, não retirou o que disse. Quer dizer, então, que o ex-governador está pronto a servir como vice de alguém que ele considera corrupto? Sim, quer dizer exatamente isso.
Lula foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro pela Justiça brasileira, em três instâncias e por nove magistrados diferentes; Alckmin, portanto, estava apenas anunciando um fato, quando falou em volta “à cena do crime”. O problema é por que ele, agora, se bandeou para o lado dos que considerava criminosos até outro dia. Não é só a questão da ladroagem, que bateu recordes na era Lula-Dilma — um caso raro na história universal da roubalheira, com os ladrões assinando confissões de culpa e devolvendo dinheiro roubado. Alckmin, ao se unir a Lula, está se unindo a tudo o que sempre combateu em sua vida. Ele está agora, por exemplo, no mesmo palanque que o MST — que, segundo Lula, vai “participar” ativamente do seu governo. Um de seus colegas de campanha já disse que escritura de propriedade de terra, para ele, só se for assinada por Deus, com firma reconhecida. É o novo Alckmin.
J.R. Guzzo
*J.R. Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.
Por J.R. Guzzo, publicado no jornal Folha de SP. em 27 janeiro de 2022