A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentou um embargo de declaração ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando mudanças na tese que determinou que jornais poderão ser responsabilizados por declarações “comprovadamente injuriosas” de entrevistados contra terceiros. A decisão foi aprovada por unanimidade em novembro do ano passado.
De acordo com a Abraji, a tese do STF contém “termos genéricos” e não leva em conta especificidades da atividade jornalística, como o caso de entrevistas ao vivo. E a associação ainda apontou que a decisão abre margem para um “amplo e perigoso espectro interpretativo”, que ficará à cargo de juízes de instâncias inferiores.
“O impacto do ajuizamento de ações e de eventuais condenações constitucionais – ou até mesmo a simples imprevisibilidade e ausência de segurança jurídica de uma tese de repercussão geral fixada em termos genéricos – pode ser catastrófico”, reforça a Abraji.
Caso a tese não seja ajustada, a Abraji ainda alerta para o risco do “ajuizamento de ações judiciais com intuito inibidor da liberdade de imprensa que resultará, automaticamente, na autocensura de veículos de comunicação”.
A associação ainda citou dois casos “emblemáticos” divulgados pela imprensa que poderiam ser penalizados com a nova tese do STF. Um deles, é a entrevista do presidente do PTB, Roberto Jefferson, à Folha de São Paulo em 2005, na qual ele fez acusações gravíssimas de um esquema de propinas que depois ficou conhecido como Mensalão. “O julgamento do mensalão se arrastaria por meses e condenaria 25 pessoas à prisão. Quando Jefferson concedeu a entrevista, não ofereceu nenhuma prova material para sustentar as acusações que fazia”, explica a Abraji.
Relembre a tese do STF
A tese vencedora determina pelo STF cita que a proteção à liberdade de imprensa “é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização”.
Durante a discussão da tese, a ministra Cármen Lúcia pediu que fosse destacada no texto a proibição da censura prévia contra os veículos de imprensa. Já o ministro Cristiano Zanin solicitou a inclusão da possibilidade de remoção de conteúdos “comprovadamente injuriosos” das plataformas.
Moraes aceitou as propostas e a tese foi definida da seguinte forma:
“A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”.
“Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”, concluiu.
Entidades que representam a imprensa demonstraram preocupação com o julgamento no Supremo. Para a categoria, “uma decisão do STF que indiscriminadamente responsabilize o jornalismo pelo que dizem seus entrevistados terá consequências enormes em termos de autocensura e para a veiculação de informações que servem ao interesse público”.
Nova redação da tese sugerida pela Abraji
No documento entregue ao STF, a Abraji apresenta uma nova redação para a tese, na qual sugere a retirada da possibilidade de responsabilização nos casos de entrevistas e debates ao vivo, “ainda que tenham sido gravados e possam ser posteriormente visualizados”.
Veja a proposta de tese feita pela Abraji:
- A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Em casos de entrevistas publicadas por veículos de mídia e com relação ao conteúdo afirmado pelo próprio entrevistado, admite-se análise posterior à publicação para verificar a possibilidade de exercício do direito de resposta nos termos legais e eventual responsabilização civil, proporcional ao dano que tenha sido comprovado, por falsa imputação de crime a terceiro, considerando, em casos de responsabilização do veículo de mídia, de seus representantes e dos jornalistas os termos do item 2 desta tese. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
- Os veículos de mídia, seus representantes e os jornalistas não são responsáveis civilmente pelas falas de entrevistado, exceto na hipótese em que este imputa falsa prática de crime a terceiro, quando a empresa de mídia poderá ser responsabilizada civilmente e de forma solidária ao entrevistado se ficar comprovado que, à época da divulgação: (i) o responsável editorial possuía ciência da falsidade comprovada da imputação, optando por publicá-la dolosamente ou, dada a ciência, por grosseira negligência; ou (ii) se tratava de fato notório, amplamente divulgado e derivado de decisão judicial irrecorrível, tendo o veículo incorrido em dolo ou grosseira negligência, dada a notoriedade, na verificação da veracidade do fato; e (iii) não tiver sido dada oportunidade ao acusado de dar a sua versão dos fatos ou a entrevista não tiver sido acompanhada de apuração da falsa imputação de prática de crime;
- Estão excetuados casos de entrevistas e debates ao vivo, ainda que tenham sido gravados e possam ser posteriormente visualizados.”
A sugestão da tese foi entregue ao ministro Edson Fachin, relator da ação apresentada pelo ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, morto em 2017, contra o jornal Diário de Pernambuco, que gerou a tese aplicada pela Corte.