Uma Grandeza Que Não Se Mede Em Páginas.
Há temas que exigem extensão não por vaidade retórica, mas por respeito à complexidade da realidade. A agricultura familiar no Acre é um deles. Reduzi-la a slogans, programas episódicos ou boas intenções é, na prática, mantê-la na condição de promessa jamais cumprida. A grandeza do assunto não está no tamanho do texto, mas na densidade do que ele busca revelar.
A agricultura familiar é fortemente presente no Acre. Está no território, na cultura, na memória produtiva e no cotidiano de milhares de famílias. No entanto, essa presença não se converteu em centralidade estratégica. Ao longo do tempo, ela foi sendo tratada como política compensatória, e não como eixo estruturante de um modelo de desenvolvimento regional.
Esse deslocamento é decisivo. Quando uma atividade é vista apenas como social, e não como econômica, o resultado é previsível: transfere-se renda para aliviar a pobreza, mas abandona-se a construção da autonomia produtiva. Mantém-se o produtor vivo, porém economicamente frágil.
O quadro atual é de desorganização estrutural. Pequenos e médios produtores, em sua maioria, operam de forma isolada, sem escala, sem coordenação e sem poder de barganha. A baixa regularização fundiária inviabiliza o acesso ao crédito e compromete qualquer planejamento de médio e longo prazo.
A assistência técnica e a extensão rural, pilares históricos do desenvolvimento agrícola, encontram-se virtualmente falidas. Sem orientação contínua, o produtor permanece refém de práticas pouco eficientes, vulnerável às perdas e às oscilações do mercado. Agrava-se o cenário com a ausência de pesquisa aplicada, ajustada às condições amazônicas, capaz de elevar produtividade e rentabilidade.
Não há um sistema de fomento e crédito rural funcional, tampouco infraestrutura mínima de armazenamento, entrepostos e transporte. A produção, quando ocorre, perde valor, deteriora-se ou é vendida a preços aviltados. A inexistência de beneficiamento e agregação de valor condena o Acre a exportar matéria-prima barata e importar produtos industrializados caros.
Some-se a isso a ausência de garantia de escoamento, mecanismos de preço mínimo e estratégias de inserção em mercados externos. O produtor assume todo o risco; o sistema, nenhuma responsabilidade. Nessas condições, não há estabilidade possível.
Desenvolvimento regional sustentável exige previsibilidade, coordenação institucional e horizonte de futuro. A matriz produtiva atualmente imposta à agricultura familiar acreana não oferece nenhum desses elementos. Trata-se de uma estrutura incapaz de se reproduzir economicamente sem tutela permanente do Estado — e mesmo essa tutela é fragmentada e intermitente.
Falar em sustentabilidade, bioeconomia ou novos paradigmas sem reconstruir essas bases é inverter a ordem dos fatores. Não se constrói o sofisticado sobre o inexistente. Antes de qualquer agenda inovadora, é preciso refazer o básico bem feito.
A grandeza de um projeto de desenvolvimento não se mede pela extensão dos discursos, nem pela quantidade de programas anunciados. Mede-se pela capacidade de organizar a realidade, de transformar potencial em estrutura e trabalho em dignidade.
Enquanto a agricultura familiar continuar sendo tratada como apêndice e não como sistema, o Acre permanecerá prisioneiro de um modelo instável, dependente e periférico. Reconhecer isso não é pessimismo; é o primeiro ato de responsabilidade política.
Talvez este texto seja longo. Mas, como toda grandeza verdadeira, ele se recusa à pressa e à superficialidade. Há problemas que exigem tempo, reflexão e coragem institucional para serem enfrentados.
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Escritor, professor, pesquisador e especialista em Gestão Pública, com mestrados em Sociologia, Ciência Política e Direito. Articulista político, Lauro Fontes escreve sobre história e política às segundas, quartas e sextas-feiras no Diário do Acre.


