Drones, máquinas autônomas e insumos biológicos. Esses são alguns dos itens que ilustram a nova era da agricultura inteligente pela qual o Brasil passa. Esse movimento, conforme levantamento do Rabobank, está sendo impulsionado por uma rede crescente de startups ligadas ao setor que oferecem soluções em toda a cadeia de produção.
Dados compilados pelo banco mostram que, entre 2020 e 2025, o número de agtechs no Brasil cresceu de 1.574 para aproximadamente 2.000. A quantidade representa cerca de 80% de todas as startups agrícolas da América do Sul. Como consequência, no mesmo período, o país atraiu mais da metade de todos os investimentos em agtechs na região, atingindo um pico de US$ 330 milhões em 2023.
Conforme Marcela Marini, analista sênior na Rabobank Brasil, a atração de investimentos e surgimento de startups agrícolas é resultado da busca por mais produtividade no campo e uma menor abertura de áreas. Segundo ela, no Cerrado, por exemplo, a baixa fertilidade inicial dos solos levou o produtor a olhar com muito mais zelo para o manejo, abrindo caminho para uma agricultura mais tecnológica na região. “Enquanto em regiões como os Estados Unidos os solos já são naturalmente ricos e a mecanização está consolidada há décadas, no Brasil a necessidade de aprimorar o solo e otimizar recursos estimula a absorção rápida de novas tecnologias”, disse ao Agro Estadão.
A rápida adoção dessas inovações é observada, principalmente, em grandes propriedades, onde há a necessidade de informações precisas para gerenciar áreas diversas em múltiplas regiões. Como resultado, as soluções adaptadas às condições regionais podem ser escaladas mais facilmente, melhorando a produtividade e a resiliência. “A integração dessas tecnologias, desde a correção do solo e biotecnologia até ferramentas de precisão e automação, viabilizou diretamente a expansão dos sistemas de plantio duplo, como o cultivo de soja seguido por milho ou algodão na mesma safra”, salienta Marini.
De acordo com o relatório do Rabobank, essas transformações se refletem claramente nos dados de produção: em Mato Grosso, principal estado produtor de grãos no Brasil, cerca de 57% da área de soja é seguida por milho safrinha na mesma safra. Em nível nacional, entretanto, o índice chega a 37%, evidenciando como a adoção tecnológica reconfigurou o calendário de produção de grãos no Brasil e intensificou o uso da terra.
Marcela Marini: surgimento de startups do agro está ligado à busca por produtividade.
Gestão e nova geração
Além da mecanização, a profissionalização da gestão rural tem sido um dos principais motores da revolução tecnológica no campo.
A digitalização das fazendas — com o uso de plataformas de gestão, monitoramento em tempo real e controle de custos por hectare — tem transformado a relação do produtor com o próprio negócio. “Hoje, o produtor quer dados. Ele quer entender qual cultura é mais rentável, quanto custa cada operação e onde é possível reduzir desperdícios. Essa mentalidade empresarial é o que sustenta o avanço das agtechs e da agricultura digital no Brasil”, afirma Marini.
A visão da especialista se reflete no mais recente Radar Agtech Brasil, que mostra que as startups “dentro da porteira” — voltadas à gestão de fazendas, controle de insumos, automação agrícola e monitoramento ambiental — já representam 41,5% de todas as agtechs do país. Entre as subcategorias, destacam-se as plataformas de gestão agrícola (157 startups) e os sistemas de integração de dados (144 startups), que permitem ao produtor monitorar custos, margens e produtividade em tempo real.
Esse processo, contudo, vem sendo acelerado pela entrada de novas gerações na gestão das propriedades. Filhos e netos de produtores têm assumido um papel mais ativo nas decisões, trazendo formação técnica, domínio de ferramentas digitais e uma visão de longo prazo.
Em alguns casos, indica a analista, a tecnologia serve até como um gancho para atrair essa geração. “Esses jovens trazem uma visão de gestão mais moderna, com foco em eficiência, rastreabilidade e sustentabilidade. É uma transição que garante continuidade e inovação ao mesmo tempo”, apontou.
Desafios estruturais
Apesar do avanço, ainda há barreiras à expansão tecnológica, especialmente entre médios e pequenos produtores. A falta de mão de obra especializada, limitações de crédito rural e problemas de conectividade nas áreas mais remotas impedem uma adoção mais ampla. “Hoje, a escassez de profissionais capacitados é um dos principais gargalos. Também há o desafio da conectividade. Muitas fazendas estão longe dos grandes centros e precisam investir por conta própria em infraestrutura digital”, destacou Marini.
Para que a inovação alcance todas as operações agrícolas, a especialista reforça que será essencial continuar investindo em pesquisa, capacitação e sistemas de transferência de conhecimento. Segundo ela, somente assim será possível garantir que os benefícios da transformação tecnológica se estendam a todas as regiões e perfis de produtores. “Enfrentar essas lacunas é fundamental para que o Brasil realize plenamente seu potencial de construir um futuro agrícola mais inteligente, eficiente e resiliente, capaz de unir produtividade, sustentabilidade e competitividade global”, indica.