Arregou, ou não?

Valterlucio Bessa Campelo

Estou entre os que aguardaram com ansiedade as falas de Lula e de Donald Trump, nesta terça-feira, 23 de setembro de 2025, durante a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York. Não se sabia em que tom um e outro se posicionaria. Aliás, muita gente achava que poderia vir do Trump uma demonstração de força contra o Brasil, já que há alguns dias tivemos mais uma baciada de sanções contra autoridades do governo e suas famílias. Não foi o que aconteceu, quem mandou bala foi o Lula, que sempre em busca de aplausos sabia o que aquela plateia queria ouvir. Destaquei alguns pontos:

Lula defendeu o judiciário brasileiro e suas decisões; defendeu a regulamentação na internet; protegeu as organizações criminosas reafirmando que não devem ser classificadas como terroristas; atacou os Estados Unidos por “intervirem em nossa soberania”; livrou a cara do Maduro e do regime Cubano; posicionou-se em favor de Putin; relativizou o terrorismo do Hamas e acusou Israel de cometer genocídio em Gaza; alinhou-se os inimigos dos Estados Unidos e concluiu com referências ao aquecimento global e a COP30.

Sucedendo Lula, que por tradição abre a reunião, Donald Trump gastou muito de seu tempo falando para dentro, digo, para os americanos, listando os sucessos de sua administração em sete meses. Além disso, pediu proteções para cristãos; criticou duramente a ONU por financiar a migração em massa para os EUA e países ocidentais; alertou a Europa para a Lei Islâmica Sharia; alvejou o globalismo; chutou o alarmismo climático; defendeu a designação de grupos terroristas; chamou às falas os países que financiam a guerra comprando petróleo da Rússia; promoveu combustíveis fósseis; chamou a agenda verde de golpe, incluindo os créditos de carbono; pautou o fim das armas biológicas e, quanto ao Brasil, nos acusou de interferirmos no direitos e liberdades de cidadãos americanos, referiu a uma conversa rápida (rolou uma química) e de uma reunião para a próxima semana, e avisou que sem os EUA o Brasil se dará mal.

Como ser pode ver, foram discursos antagônicos, mas tudo isso perdeu importância para o gesto final do presidente americano. Imediatamente, a mídia amestrada, que dia sim dia também, fala mal do Trump, resolveu comemorar que aquele “fascista” havia abraçado Lula e gostado dele. De repente, Lula, o mágico, em um piscar de olhos no corredor, havia conquistado o coração do Trump Malvadão e na próxima semana enterrariam juntos o Bolsonarismo e a direita brasileira, cessariam as taxações, seriam removidas as sanções, os vistos seriam devolvidos, Moraes seria recebido em grande estilo… eita mundo feliz, esse em que um olhar seduz o “imperador do norte”, como Cleópatra fez com Júlio César.

O êxtase só durou até alguém alertar o Lula de que ele caíra numa cilada. Com aquela declaração instantânea, Trump, que assistira ao discurso de Lula na sala ao lado, talvez estivesse jogando. A rigor, Lula espinafrou o Trump fazendo a alegria de todos a esquerda, palestinos e africanos, pendurou nele a culpa pelo “genocídio” em Gaza, o acusou de se meter na política interna do Brasil, enfim, não há no discurso, uma linha que seja de aproximação, então, o que seria de fato aquele convite?

Ninguém tem certeza. Na dúvida, Lula já arrumou serviço para a semana inteira e mandou dizer que a conversa vai ser ao telefone ou videoconferência. De repente, o malandro virou pessoa trabalhadora e tem a agenda cheia, não dá para se reunir com o homem mais poderoso do mundo. Arregou?

Não se sabe. Parece que sim. Ele teria percebido que Trump o está enredando para, talvez, fazer com ele o que já fez com outros líderes, aí listados os da Ucrânia e da Índia. De agora em diante, Lula não poderá dizer, como na semana passada, que Trump não quer conversa, por outro lado, que conversa se pode garantir com um homem tão imprevisível, não é mesmo? Pressionado, prefere uma ligaçãozinha, será mais seguro.

Há, contudo, uma vertente acreditando que não se trata de arrego, mas de estratégia. Para esses analistas e políticos, não conversar com Trump faz parte do itinerário traçado desde antes pelo governo Lula, para manter a beligerância e o discurso de proteção da “soberania” que a esquerda vem utilizando politicamente. O Brasil vai perder, como avisou Trump? Vai, mas é isso mesmo que a esquerda quer, desgraçar o país para governar sobre seus escombros. A estratégia tem mais de 100 anos.

E então? Lula arregou com medo da “incaicada” que pode levar no salão oval, ou está seguindo uma estratégia de afastamento mesmo, para posar de perseguido e “invadido” em sua soberania e obter saldos políticos independentemente dos efeitos danosos que sobrevenham?

É claro que a resistência da direita, ancorada no apoio americano conquistado nos últimos meses foi transformada, via mídia massiva e propaganda institucional distorcida, em ativo que Lula quer preservar. Então, o que teria sido melhor para Lula era que o Trump o tivesse de algum modo tratado mal. Assim, poderia dizer que foi lá, enfrentou o gigante e voltou com o rabo empinado. Ocorre que o Trump lhe passou uma vaselina, marcou o encontro e ele não sabe o que virá. Lula poderá restringir a pauta às tarifas?

No final das contas, ponto para o Trump que fez com que Lula e seus acumpliciados fiquem daqui até lá, ocupados em manter o discurso da defesa da “soberania”, segurar outros rojões que podem vir contra membros do judiciário, sem poder chamar de malvadão aquele que abraçou de rosto colado.

Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS, terças, quintas e sábados no DIÁRIO DO ACRE, quartas, sextas e domingos no ACRENEWSe, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites.

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