Questionado pela Folha de São Paulo sobre os reiterados alertas de chuvas no Rio Grande do Sul e as medidas tomadas para lidar com possíveis enchentes, o governador Eduardo Leite admitiu a existência de estudos e informes meteorológicos, mas que o governo “vive outras pautas e agendas”. “A gente entra aqui no governo e estado estava sem conseguir pagar salário, sem conseguir pagar hospitais, sem conseguir pagar os municípios. A agenda que se impunha ao estado era aquela, especialmente aquela vinculada ao restabelecimento da capacidade fiscal do Estado, para poder trabalhar nas pautas básicas de prestação de serviços à sociedade”, respondeu.
Da forma como se expressou, o tucano deu a entender que a responsabilidade fiscal se contrapõe à ideia de prevenção. Por óbvio, dada a realidade climática, seria uma visão no mínimo ingênua. Quanto será dispensado para a reconstrução das estruturas públicas e privadas? Todas as projeções são incipientes. Estimativas iniciais apontam para mais de R$ 200 bilhões em perdas. Todo o esforço de melhoria das condições administrativas do estado acabou por água abaixo, literalmente. Até mesmo a capacidade arrecadatória foi comprometida, uma vez que mais de 90% das empresas acabaram afetadas. Sem prevenção não há responsabilidade fiscal, e nem mesmo economia.
Há muito tempo o debate ambiental deixou de ser eminentemente ideológico, mesmo tendo a esquerda, nos idos dos anos 90, tomado a pauta como um pretexto para renovar o ideário anticapitalista. No Século XXI, entretanto, o capitalismo incorporou o conceito de preservação. Hoje ele está menos atrelado ao Greenpeace e mais aos fundos de investimento, muitos deles condicionados na alocação de recursos em países mediante compromissos específicos com a agenda da sustentabilidade.
O crédito de carbono e o desenvolvimento de combustíveis alternativos são apenas dois vetores de geração de riqueza e desenvolvimento que se tornaram proeminentes em fóruns globais. Ignorar isso é brigar com a realidade e ficar alheio à própria renovação do livre mercado.
Com a tragédia climática no Rio Grande do Sul, uma fúria estatizante parece ter recobrado o vigor político. Prosélitos da burocracia entendem que a amplitude dos estragos causados é resultado direto do que chamam de políticas de “Estado mínimo”, que teriam desestruturado ou desarticulado órgãos que garantiriam a segurança das regiões urbanas e a qualidade de serviços fundamentais. Estes ignoraram que foi a falência das estruturas públicas que potencializou o caos. E nesse particular, é até possível concordar com a leitura feita por Eduardo Leite, ainda que ele não a tenha articulado da melhor forma.
Ao longo das últimas décadas, o gasto desmesurado dos governos gaúchos fez com que o estado perdesse qualquer capacidade de investimento, inclusive para aquilo em que sua atuação é essencial. Na medida em que se criaram privilégios, em que a folha de pagamentos ampliou seu espaço orçamentário e que estruturas públicas custosas e inefetivas concorreram em priorização de recursos cada vez mais limitados com aquelas que cumpriam suas funções, o fundamental deu lugar ao acessório.
Não se aportou recursos em prevenção simplesmente porque não havia dinheiro para tanto, assim como não havia para segurança, saúde e outras áreas que liberais clássicos não descartam o papel do Estado. Assim como certa direita parece virar a cara para a existência do capitalismo verde, a esquerda ignora que foi o excesso de Estado que o tornou inoperante para agir quando necessário. Como o tudo mais constante, o debate sobre as causas e consequências das enchentes também é ideologicamente burro e obscurantista.