O Banco do Brasil, maior financiador do agronegócio no país, pode barrar novos financiamentos a produtores rurais que ingressarem com pedido de recuperação judicial. O vice-presidente de controles internos e gestão de riscos da instituição, Felipe Prince, afirmou, à Bloomberg, que esses produtores “não terão crédito hoje, amanhã nem nunca mais” — provocando a reação de representantes do agronegócio.
A decisão ocorre em meio ao aumento de pedidos de proteção judicial no campo e à maior cautela dos bancos na concessão de crédito. Prince afirmou que a recuperação judicial “é uma armadilha para o produtor, que perde acesso ao crédito e não consegue plantar a próxima safra”.
A fala foi recebida com indignação pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), que classificou a declaração como “mais uma surpresa negativa de um banco estatal”. “Ninguém está em recuperação judicial porque optou por isso. O produtor chega a essa situação por necessidade”, completou o parlamentar.
Segundo Lupion, a FPA tem cobrado do governo federal medidas para aliviar o endividamento rural e ampliar o acesso a financiamentos. “Por um lado o governo fica falando que tá ajudando o produtor, anuncia pano safra gigantesco, anuncia dinheiro na mão do produtor, anuncia crédito fácil, não entrega o crédito, não tem seguro, o produtor não consegue acessar de maneira alguma o custeio da sua produção, está endividado”, disse.
Na semana passada, o vice-presidente de agronegócios do Banco do Brasil, Gilson Bittencourt, participou da tradicional reunião-almoço da FPA. No entanto, segundo Lupion, a conversa com o executivo “foi morna” e não apresentou soluções efetivas. Na ocasião, o gestor conversou com os parlamentares a respeito das operações de renegociação de dívidas rurais no âmbito da Medida Provisória 1.314/25.
Em nota, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) disse que recebeu com estranheza a declaração. Para a SRB, “privar o crédito rural de produtores que possuem recuperações judiciais homologadas e acompanhadas pelo Poder Judiciário, extrapola os limites do mercado financeiro com subsídios do orçamento público”.
A entidade também destacou que a recuperação judicial é um instrumento legítimo, previsto na legislação brasileira, que busca assegurar a continuidade das atividades produtivas para os casos que se enquadrarem nas exigências legais.
Avanço dos pedidos de recuperação judicial no campo
Segundo a Serasa Experian, no segundo trimestre de 2025, o setor teve 565 solicitações da medida judicial. Frente ao mesmo período do ano anterior, que marcava 429 pedidos, houve alta de 31,7%. Os números representam o acumulado de toda a cadeia – pessoas físicas e jurídicas. A maior parte está concentrada em estados de forte produção agrícola: Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná.
O diretor jurídico da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Nestor Hein, disse que a entidade “não recomenda o uso indiscriminado da recuperação judicial por produtores” e que também os orienta sobre os riscos de operações garantidas por alienação fiduciária — modalidade que transfere a propriedade do bem ao credor até a quitação da dívida. “Se o produtor pedir recuperação judicial, a consequência automática é ficar fora do crédito rural, a não ser que tenha uma supergarantia”, afirmou Hein.
Respaldo jurídico
A declaração do Banco do Brasil possui respaldo jurídico. Consultado pelo Agro Estadão, o advogado Guilherme Caprara, sócio do escritório MSC Advogados, esclareceu que a legislação brasileira não obriga as instituições financeiras a concederem crédito para empresas ou produtores rurais em recuperação judicial.
A liberação de recursos, segundo o especialista, é uma operação bancária que segue a política de crédito de cada instituição. “ Essa decisão decorre da liberdade contratual, da política de risco e das garantias exigidas em cada operação”, explica Caprara, acrescentando que cada restrição pode ser, também, uma oportunidade para outro banco ocupar essa fatia do mercado.






