Barroso e Lewandowski viraram árbitros do que é ou não é ciência

Num mundo e numa época cheios de dúvidas, uma coisa se pode dizer com certeza: os ministros Barroso e Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que tomam essas estupendas decisões que vêm tomando sobre as obrigações do cidadão brasileiro diante da covid, sabem sobre medicina menos que um plantonista de pronto-socorro em começo de carreira. Também não sabem nada de biologia, nem de infecções do organismo humano, nem de qualquer disciplina da ciência que possa ser útil no trato dessa ou de qualquer outra doença. Não sabem nada, em suma — por que raios, então, estão dizendo o que as pessoas têm de fazer em questões absolutamente essenciais para as suas vidas?

O primeiro deles baixou um decreto sem precedentes na história da Justiça brasileira, talvez mundial: proibiu os cidadãos brasileiros de entrarem no seu próprio país se não mostrassem para o guarda um “passaporte vacinal” atestando que tomaram duas ou mais doses de vacina contra a covid. Não aconteceu nada de realmente grave, como em geral é o caso com as decisões absurdas — mas o extraordinário é que ele tenha pensado que podia fazer, e feito, uma coisa dessas. O segundo decidiu que o “Ministério Público” está autorizado a retirar da guarda dos pais as crianças que não forem vacinadas — sabe-se lá quantos milhões, num país que não consegue cuidar com um mínimo de decência sequer dos menores abandonados que já estão aí na rua, amontoados uns em cima dos outros.

Barroso, em matéria de ciência médica, tem em sua biografia a devoção pelo curandeiro João de Deus, condenado por estupro e charlatanismo em Goiás. Lewandowski não vale muito mais que isso. Mas, do jeito que ficou o Brasil, os dois, junto com uma multidão de semianalfabetos que têm cargos como governador, prefeito ou fiscal de covid, viraram árbitros definitivos do que é ou não é ciência neste país. Fazem pose de quem sabe o que está falando; o mundo oficial, a mídia e a elite fingem acreditar que eles sabem mesmo. O resultado é que acabam se metendo a tirar dos pais a guarda dos seus filhos — e todo mundo acha que isso é a coisa mais normal do mundo.

O que Lewandowski, seus colegas do STF e quem fica balançando a cabeça diante desses acessos de demência pensam da vida? Querem entregar as crianças aos resorts infantis de luxo que o MP mantém em Trancoso? Não é apenas hipócrita; é estúpido. Estamos assim: um ministro-cientista ou uma “autoridade local” ficam agitados porque o coletivo que contabiliza os mortos da covid veio com algum número horrível? A única coisa em que pensam é: reprimir. É o triunfo da burrice.

J.R. Guzzo

*J.R. Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.

**Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião do Diário do Acre.

Por J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 30 de janeiro de 2022

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