A cena é grotesca, surreal, mas é o retrato de um país que perdeu o senso das proporções. Supermercados e grandes empresas jogam fora bilhões de reais em alimentos bons para o consumo, enquanto milhões de brasileiros mal têm o que comer. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) revela a dimensão do desastre: R$ 7,6 bilhões em alimentos aptos para o consumo foram simplesmente desperdiçados. Isso mesmo, bilhões jogados no lixo, literalmente, enquanto uma parcela da população se afunda no mapa da fome.
A situação é a própria encarnação de um sistema viciado que, em nome da burocracia e de uma falsa moralidade, prefere o desperdício à caridade. Mas há uma luz no fim desse túnel. Relatado pelo senador Alan Rick, o projeto de lei (PL 2874/2019) tenta, com um pouco de bom senso, colocar ordem nessa barbárie silenciosa. O projeto cria regras claras para incentivar a doação de alimentos por supermercados e outras empresas, garantindo segurança jurídica para os doadores e permitindo deduções fiscais. Em outras palavras, aquilo que está bom para ser comido, mas sem espaço nas prateleiras, pode agora chegar à mesa de quem precisa.
O texto é direto ao ponto e, diferente da burocracia inútil, oferece uma solução prática. Não só estimula a doação de alimentos, evitando que esses bilhões de reais em alimentos desperdiçados sejam lançados como “prejuízo” nos balanços empresariais. É uma matemática simples: menos comida no lixo, mais comida nas mesas. Algo que deveria ser óbvio, mas que, como tudo no Brasil, precisou de um projeto de lei para se tornar realidade.
O projeto já tem caráter terminativo na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o que significa que, uma vez aprovado, segue direto para a Câmara dos Deputados. É uma vitória, sim, mas é apenas o começo de uma luta que deveria ter começado há muito tempo.
Nas palavras do próprio Alan: “Estamos tratando de um tema de enorme relevância para o Brasil. Os dados oficiais que temos do Mapa da Fome, da FAO, indicam que o Brasil desperdiça R$ 1,3 bilhão por ano em alimentos aptos para o consumo. Não estamos falando de alimentos vencidos ou estragados, mas de produtos que podem alimentar milhões de brasileiros.”
Não há desculpa aceitável para o nível de desperdício que se vê hoje no Brasil. Enquanto o Estado mantém seu festival de incompetência, esse projeto de lei tenta, pelo menos, corrigir uma parte dessa tragédia diária que é a fome em meio à abundância. Agora resta saber se, na Câmara, haverá alguma decência para aprovar rapidamente o que já deveria ser a prática comum em qualquer sociedade minimamente civilizada.