Brasil pretende instituir protocolo de sustentabilidade com chineses e criar ‘Soja China’

Já conhecido na produção brasileira, o Boi China é a nomenclatura para carne de animais que seguem os requisitos chineses para a compra do produto. Esse mecanismo de venda pode ganhar outros produtos, como a Soja China. O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) está em tratativas com o governo do país asiático para fazer um protocolo comum de sustentabilidade entre as duas nações, o que pode criar não só a Soja China, como o Milho China e outros produtos do Agro brasileiro. 

A ideia tem sido liderada por um dos homens de confiança do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, o assessor especial, Carlos Ernesto Augustin, com quem o Agro Estadão conversou com exclusividade. Segundo ele, em aproximadamente dois meses uma missão brasileira do Mapa deve visitar a China para “passar à frente” nas negociações tradicionais. Isso porque o normal na relação diplomática, e que já está em andamento, é o alinhamento entre as pastas e os órgãos envolvidos, deixando o processo mais lento. A intenção com a visita é conhecer as práticas chinesas de sustentabilidade na agricultura e assim pavimentar um retorno dos chineses ao Brasil para conhecerem as práticas daqui. O passo final seria o acordo. 

“Vamos levar pesquisadores nossos da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], olhar o que eles fazem lá e ver o que fazemos aqui. Daí vamos tentar produzir uma soja de baixo carbono. Não tem o Boi China? Vamos produzir a Soja China! Daqui a alguns dias, estaremos vendendo soja que combinamos com a China qual seriam os critérios, produto que os Estados Unidos não terão para vender, que a África não vai ter para vender”, completou Augustin. 

Ele explica que o objetivo não está tão relacionado a agregar valor à soja ou aos produtos agrícolas brasileiros, mas sim se tornar unânime no mercado e cita um exemplo recente. “Já plantei algodão e o que o algodão me ensinou foi que nós não conseguimos o valor agregado. A gente consegue algo melhor, que é o mercado. É o que aconteceu com o algodão. Não é o preço maior, é o fato que pegamos os players internacionais que são Estados Unidos e Austrália e empurramos eles fora [do mercado]”, disse o assessor.

Dinheiro à vista

Encarregado pelo Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD), Augustin já vislumbra o plano em funcionamento na metade do ano. Isso porque a Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda está nas etapas finais para fazer o leilão dos bancos que vão operar os primeiros valores do PNCPD. A expectativa é de que sejam ofertados entre US$ 1,2 bilhões a US$ 1,3 bilhões (cerca de R$ 7,4 bilhões na cotação desta terça-feira, 25). 

Formam esse montante US$ 1 bilhão do Fundo Clima e o restante seriam recursos dos bancos. A ideia é oferecer a verba aos produtores rurais por uma taxa de 6% a 8% ao ano em Real. 

“O Tesouro vai oferecer US$ 1 bilhão e para atingir a taxa que vamos pedir, que vai ser baixa, o banco vai dizer quanto dinheiro aportará. A instituição bancária vai colocar ali entre 20% e 30% acima do valor do Tesouro. O leilão é: quem botar mais dinheiro, leva!”, explica Augustin que também disse que a taxa cambial vai ser garantida pelo Tesouro Nacional.  

No entanto, para obter os recursos os produtores terão que fazer sua parte. “Juros baixos, mas com um grau de sustentabilidade bem forte e bem auditado. Inúmeros [requisitos de sustentabilidade]. Alguns são: cobertura morta, uso de bioinsumos, rastreabilidade bovina, certificações trabalhistas, uso de agricultura digital e balanço de carbono. Claro, que quanto mais coisas o produtor fizer, mais vantagem ele vai ter. Mas tem algumas coisas que serão obrigatórias”, pontuou.

Lançado em dezembro de 2023, o PNCPD quer recuperar 40 milhões de hectares de áreas degradadas. Conforme o assessor, a cada R$ 7 bilhões investidos é possível recuperar entre 1 a 1,5 milhão de hectares. No entanto, vem enfrentando dificuldades para ser executado.

Outro US$ 1 bilhão é esperado da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA, sigla em inglês), mas, inicialmente, a Agência ofereceu somente US$ 300 milhões, valor considerado baixo pela Fazenda. Segundo Augustin, há outros fundos querendo aportar valores maiores para outras finalidades. A negociação que está ocorrendo é para os japoneses ampliarem o valor para US$ 1 bilhão e assim viabilizar a operação.   

Augustin também revela que os valores que conseguirem para o programa devem ser computados no Plano Safra 2025/26. “É um programa de investimento assim como o RenovAgro. Se der tudo certo, nós vamos ter dois valores do RenovAgro. Isso vai aumentar em R$ 7 bilhões o Plano Safra. Vai ajudar. É outra fonte de recurso, mas, obviamente, pode ser computado como Plano Safra”, comentou. 

Pagamentos por serviços ambientais

O programa de recuperação de pastagens é tido pela pasta como uma das grandes esperanças para a 30° Conferência das Partes (COP 30) — a reunião anual de países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima que neste ano acontecerá em Belém (PA) em novembro próximo. Sobre o evento, o assessor conta que o ministério “quer mostrar a capacidade da agricultura sustentável”. Para isso, o Brasil prepara um espaço especial coordenado pela Embrapa. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), além de empresas privadas, já fecharam acordos para instalarem stands na chamada Agri BR, que fica a aproximadamente 1,5 quilômetros do evento da COP. 

Além do espaço, a ideia é promover experiências imersivas. É o caso de uma ponte-aérea entre Belém e Tomé-Açu, também no Pará, para conhecer um sistema agroflorestal (SAF). “Para que as pessoas que venham visitar a COP vejam que podemos ter uma agricultura de florestas, digamos assim”, destacou.

Outra bandeira que o ministério pretende levar é a do pagamento por serviços ambientais. Augustin reconhece que este tema ainda depende de vontade política do governo para ir adiante, mas diz que a pasta da Agricultura deve apoiar a causa. E argumenta: “Querer que o Brasil não faça desmatamento legal dos 20% na Amazônia para nós sermos os bonzinhos do mundo, enquanto o Trump diz que ele pode poluir o quanto ele quiser e que o árabe pode vender petróleo e ficar rico, não vai dar”. 

Para o assessor, caso o Brasil não encontre respaldo no pleito com os países da COP, a solução já está definida. “O fato de fazer essa COP dentro da Amazônia é motivo para chamarmos atenção e dizermos: ‘Olha, isso aqui é preservável, mas vocês não podem exigir de nós brasileiros sustemos o nosso desenvolvimento pelo clima mundial, enquanto vocês vendem fumacinha para o mundo’. Aí não vai dar. Neste caso, é como eu digo, então nós vamos afiar a motosserra [em referência ao desmatamento legal]”, completou. 

Dolarização do crédito rural

Outra pauta defendida por Augustin é a dolarização do crédito rural. Ele afirma que hoje já há estruturas em bancos que fazem isso, mas não funcionam efetivamente porque os “bancos têm medo”. Por isso, defende que “temos que fazer um novo regramento. Temos que ensinar o agricultor porque não tem problema fixar seus produtos agrícolas, soja, milho e algodão, em dólar com as tradings que operam no país”.

Ele ainda justifica que isso não deve causar problemas ao agricultor, como os bancos temem, mas deve estabilizar um raciocínio que já é feito por ele. “Se ele tomou adubo e veneno em dólar, vendeu o produto em dólar e tomou prejuízo em dólar, onde que vai estar a distorção nisso? Aliás, existe distorção no contrário. Porque se ele tomou dinheiro em Real, pagando 12%, e o Dólar cair, 10% ou 20%, aí sim que ele vai se ferrar, porque a receita dele vai cair”, destacou o assessor.

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