Brasil rompe década de incertezas e lança primeiro diagnóstico nacional sobre javalis

Pela primeira vez, o governo federal inicia um diagnóstico amplo sobre a infestação e invasão de javali, enquanto produtores e especialistas alertam que o país já enfrenta a maior expansão da praga, e espécie invasora, em sua história.

Por mais de uma década, o Brasil conviveu com a presença crescente dos javalis sem qualquer diagnóstico preciso sobre a extensão do problema. Agora, esse cenário começa a mudar. O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) anunciou a realização da primeira pesquisa nacional dedicada a mapear a presença e os impactos da espécie invasora no meio rural, encerrando um ciclo marcado por incertezas, estimativas imprecisas e políticas públicas descontinuadas.

A iniciativa foi confirmada durante reunião do Grupo de Trabalho do Javali, que reúne entidades como Sistema FAEP, Adapar, Ibama, BPMA e IAT, e que há anos reivindica a adoção de critérios técnicos para enfrentar o avanço da praga.

“Mesmo sendo um problema antigo, a ameaça que o javali representa ao nosso agronegócio se baseia em ‘achismos’. Esse levantamento é fundamental para um diagnóstico fiel sobre os impactos do javali no meio rural”, afirma o presidente interino do Sistema FAEP, Ágide Eduardo Meneguette. “Até o momento, não temos informações precisas de onde, quanto, e como esse desafio está afetando o nosso país e isso é grave”, destaca a fiscal do Mapa Juliane Galvani.

Segundo o Mapa, a pesquisa deve oferecer, pela primeira vez, um retrato real da situação, apoiado em dados, participação do setor produtivo e metodologia padronizada.

Quatro questionários e um objetivo: entender a realidade do campo

A pesquisa utilizará quatro questionários digitais, cada um direcionado a um público diferente — produtores rurais, técnicos, órgãos de defesa, manejadores ambientais e especialistas. A meta é formar um panorama consistente dos impactos econômicos, sanitários e ambientais provocados pela espécie.

A fiscal federal agropecuária Juliane Galvani ressalta que o objetivo não é fiscalizar, mas compreender a dimensão da praga. A informação, segundo ela, é essencial para orientar políticas públicas mais eficientes.

A medida foi bem recebida por entidades do setor, especialmente por estados como Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, onde a pressão da espécie já desafia lavouras, pecuária e manejo ambiental.

Levantamento da Aqui Tem Javali: mais de 1 milhão de animais precisam ser abatidos

A confirmação da pesquisa ocorre em um momento crítico. Antes do anúncio do Mapa, a Associação Brasileira de Caçadores – Aqui Tem Javali divulgou um diagnóstico próprio que acendeu um alerta nacional.

Segundo a entidade, mais de 1 milhão de javalis devem ser abatidos em 2025 apenas para impedir que a população atinja níveis ainda mais incontroláveis. O presidente da associação, Rafael Salerno, destacou que:

  • quase 500 mil animais foram abatidos apenas em 2024, segundo dados internos do Ibama;
  • a suspensão temporária da autorização de controle com armas em 2023 fez a população explodir;
  • mais de mil caçadores tiveram licenças suspensas, prejudicando o manejo legal;
  • processos de autorização estão demorando mais que o previsto, deixando regiões inteiras desassistidas.

Para Salerno, “a incompetência e a complacência das autoridades tornaram impossível extinguir a espécie hoje no Brasil; o foco agora deve ser reduzir os danos ao máximo”.

A entidade também alerta que o avanço dos javalis ameaça três pilares do agro:

1. Agricultura – perdas de até 40% em lavouras de milho, soja e pastagens em regiões críticas.
2. Pecuária – risco sanitário elevado para suínos comerciais, com possibilidade de transmissão de peste suína clássica e outras doenças.
3. Meio ambiente – destruição de nascentes, predação de espécies nativas e alterações profundas na vegetação.

Um animal exótico, sem predadores e altamente destrutivo

Os javalis europeus e seus híbridos — os javaporcos — apresentam características que explicam a dificuldade de controle no Brasil. Segundo a cartilha técnica do Sistema FAEP:

  • podem atingir de 80 a 200 kg;
  • chegam a 40 km/h e saltam obstáculos de 1,50 m;
  • têm uma das taxas reprodutivas mais altas da fauna de grandes mamíferos;
  • devastam solo, vegetação e lavouras por “fuçadas” constantes;
  • nunca tiveram predadores naturais no país.

Além disso, movem-se em grandes varas, o que potencializa o estrago e dificulta ações pontuais de manejo.

Impactos múltiplos e um prejuízo ainda sem mensuração oficial

A cartilha aponta nove principais danos causados pela espécie:

  • destruição de lavouras;
  • transmissão de doenças;
  • danos à vegetação nativa;
  • dispersão de plantas invasoras;
  • predação de animais endêmicos;
  • ataques a pequenos animais de criação;
  • destruição de nascentes;
  • riscos à segurança humana;
  • desregulação de processos ecológicos.

Apesar das evidências, nunca houve um diagnóstico nacional que consolidasse, em números, o impacto da praga. É justamente essa lacuna que a pesquisa do Mapa pretende preencher.

Por que a pesquisa é um marco para o agronegócio

Especialistas e entidades concordam que o Brasil está atrasado — mas ainda há tempo para estabelecer uma estratégia de médio e longo prazo. A pesquisa deve:

  • mapear a presença do javali em todo o território;
  • identificar rotas e regiões de pressão elevada;
  • estimar prejuízos econômicos;
  • reforçar vigilância sanitária;
  • padronizar protocolos de manejo;
  • subsidiar políticas públicas contínuas;
  • integrar órgãos de meio ambiente, agricultura e segurança rural.

Como afirma Juliane Galvani, “a ideia é criar um panorama compatível com a realidade”, algo que o país nunca teve.

O lançamento da primeira pesquisa nacional sobre a presença de javalis encerra uma fase de improviso e abre caminho para um novo capítulo na gestão da praga que já afeta a produção de alimentos, o equilíbrio ambiental e a saúde animal no Brasil.

O levantamento da Aqui Tem Javali indica a gravidade da situação e reforça a urgência de ações robustas e contínuas. Somado ao esforço técnico do Mapa e das entidades estaduais, o país dá um passo importante para enfrentar um dos maiores desafios faunísticos de sua história recente — desta vez, com ciência, coordenação e dados reais.

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