A resposta foi imediata e com respaldo até do ministro da Agricultura e Pecuária. Após o presidente global do Carrefour, Alexandre Bompard, declarar que a empresa na França não compraria mais carne do Mercosul, frigoríficos deixaram de fornecer o produto para unidades da empresa no Brasil. “Se não serve para os franceses não vai servir para os brasileiros”, declarou o ministro Carlos Fávaro na última semana.
Com isso, os principais frigoríficos – JBS, Marfrig e Minerva – além de outros médios e pequenos avisaram já na sexta-feira, 22, que não venderiam mais carne para a rede francesa. Reportagem do Estadão cita que cerca de 50 caminhões tiveram entregas suspensas até o início da tarde deste sábado, 23.
Ao Agro Estadão, o presidente da Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul), disse que ainda não há um balanço. “Vamos aguardar como será o decorrer da semana. Mas a Acrissul elogia a atitude dos frigoríficos, porque a gente entende que esse é um momento de união de toda a cadeia”, afirmou Guilherme Bumlai.
Diversas entidades do setor e autoridades têm se manifestado repudiando a fala e citando o protecionismo francês. O governador de Mato Grosso, principal estado produtor e exportador de carne, caracterizou como “atitude infeliz” a proposta de boicote para agradar aos produtores franceses.
“Eu como cidadão também tenho esse direito de comprar de quem eu quero, e como eles nos desrespeitaram, como eles estão agindo com o nosso país e agronegócio brasileiro, eu tenho defendido e vou continuar defendendo dar a eles a mesma reciprocidade – boicotando a atividade deles aqui no nosso país. A não ser que ele se retrate, que volte atrás, e que não lidere e não faça nenhum movimento para que haja essa exclusão do nosso setor de carnes do mercado europeu”, disse Mauro Mendes ao Agro Estadão.
Em São Paulo, a FHORESP – Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo, que representa 502 mil empresas, convocou todos os empresários do setor de hotelaria e alimentação a se engajarem em uma ação de reciprocidade, “boicotando essa rede de supermercados enquanto continuar a desvalorizar os produtos brasileiros”.
O secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de São Paulo, Guilherme Piai, também reagiu fortemente. “A França usa mais de 50% do seu território para o agronegócio. O Brasil usa 7% a 8%. As imposições ambientais da União Europeia são travestidas – são imposições comerciais porque eles não conseguem concorrer conosco. O Brasil é uma potência ambiental”.
O assunto repercutiu ainda na Semana Internacional do Café, que aconteceu na última semana em Belo Horizonte (MG). “Nós deixamos um terço do Brasil preservado dentro das nossas propriedades. Eu não conheço nenhuma indústria que tem 20%, 35% ou 80% das áreas preservadas para melhorar o ar de todos. Só o nosso setor”, disse Antonio Salvo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg), uma das organizadoras do evento.
Impacto
Economicamente, os reflexos não são relevantes, mas a preocupação do setor é com tudo que envolve as relações comerciais do Brasil com outros países da Europa. “Tem impacto ideológico, porque se isso se propaga aí realmente preocupa. A nossa carne é uma das melhores do mundo e produzidas sob rigorosas regras sanitárias e ambientais. É importante o posicionamento como cadeia”, completa o presidente da Acrissul ao Agro Estadão. Guilherme Bumlai ainda cita que o Carrefour Brasil é o segundo maior mercado do mundo do Carrefour. Por isso, “se alguém tem que ficar preocupado com a imagem” é a própria marca.
O professor da Esalq/USP, Sérgio de Zen, endossa o pensamento. “A atividade das empresas francesas no Brasil, que é o caso do Carrefour e da Danone, é muito significativa no âmbito total do faturamento da empresa. Então é uma questão bastante arriscada você criar uma imagem com o público brasileiro que afetem essas empresas”, avalia ao Agro Estadão. Hoje, o Carrefour tem 1,2 mil unidades em funcionamento no país.
Para o ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, PhD em Direito Internacional pela USP e colunista do Agro Estadão, Welber Barral, é fácil observar como “as potências europeias, sempre tão eloquentes na defesa do livre comércio, tornam-se subitamente avessas a ele quando seus interesses agrícolas estão em jogo. Parece fazer parte da natureza humana apoiar o livre comércio, desde que seja no mercado alheio”.
Acordo Mercosul e União Europeia
Reportagem do Estadão mostra que o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul foi criticado pelo CEO do grupo sucroalcooleiro francês Tereos. Em postagem nas redes sociais, Olivier Leducq, disse que o texto do acordo criaria uma “concorrência desleal” entre os produtos agrícolas franceses e os do bloco.
“No momento em que nossos colaboradores estão focados na implementação de práticas de agricultura regenerativa, como nossas exportações agrícolas conseguirão fazer frente à concorrência desleal de produtos importados que não cumprem as mesmas normas ambientais e sociais?”, disse ele em postagem no LinkedIn.
O que dizem os envolvidos
Neste domingo, 24, o Agro Estadão procurou novamente as empresas JBS, Marfrig e BRF. Por meio da assessoria de imprensa, as três responderam que não comentam o assunto.
O Carrefour também foi procurado novamente, mas ainda não respondeu. Ainda na quarta-feira, 21, a multinacional emitiu nota afirmando que a medida “se aplica apenas às lojas na França” e que “nenhum momento ela se refere à qualidade do produto do Mercosul, mas somente a uma demanda do setor agrícola francês, atualmente em um contexto de crise”.