“Não precisamos sequer ter mais invasão de terra nesse país”, decretou Lula, mais cedo, durante anúncio de cifra recorde para o Plano Safra — serão 364 bilhões de reais para financiar a produção agrícola, o ‘agro fascista’ que puxa o PIB brasileiro. Após desestimulá-lo em relação ao MST, a realidade também poderá fazer o presidente rever em breve a reforma agrária, cujos pilares ruíram diante do aumento da demanda global por terras agricultáveis. O velho discurso não cola mais.
O agro é pop e um baita negócio, o que desestimula a manutenção de anacrônicos ‘latifúndios improdutivos’. A ideia do presidente de fazer uma “prateleira” de terras devolutas e improdutivas, portanto, vai esbarrar no fato de que elas praticamente já não existem no Centro-Sul do país. O que resta de território relevante para a atividade agrícola está na Amazônia, cuja ocupação tem custo econômico e social altíssimo.
Levantamento feito pelo Conselho da Amazônia sob o governo anterior, com base em dados fornecidos pelo Inpe e pela Embrapa, revela que 50% do desmatamento do bioma amazônico ocorre em assentamentos da reforma agrária (25,3%) e em glebas federais sem destinação (25,5%). Foram identificados na ocasião, por meio de georreferenciamento, 50 assentamentos responsáveis por queimadas de grande impacto.
Soma-se a esse cenário, a baixa eficiência da agricultura nos assentamentos rurais, inclusive nos da Amazônia (64,3%), o que leva muitos assentados a transformarem lavouras em pastos. Ampliar a fronteira agrícola na região, portanto, é uma temeridade por qualquer ângulo e não me parece que Lula queira pagar o preço político, considerando o rápido desgaste de sua imagem lá fora.
“Vamos ser muito duros contra toda e qualquer pessoa que quiser derrubar uma árvore para plantar soja, milho ou criar gado. Faremos todo e qualquer esforço para manter a floresta em pé”, disse Lula, em Paris, antes de cobrar das nações ricas a módica quantia de US$ 100 bilhões para cumprir a meta de desmatamento zero até 2030.
Se no discurso internacional, Lula ainda se vale de platitudes e faz promessas impossíveis de cumprir, por aqui parece estar finalmente cedendo à realidade, fundamental para a sobrevivência de seu próprio mandato. Esse é o pragmatismo político sugerido pela agência de rating S&P em seu último relatório. Falta adotar o mesmo tom em relação à política monetária conduzida pelo Banco Central — agosto, quando a Selic deverá ser revisada para baixo, está logo aí.