Comunidade na Reserva do Tapajós, no Pará, quer virar modelo de produção ribeirinha 

Reza a lenda que no Rio Arapiuns habita um ser com poderes e capacidade de transmutação. Chamado de Moanã, essa criatura mística dá o nome à Comunidade de Anã, na Reserva Extrativista (Resex) do Tapajós-Arapiuns, a aproximadamente duas horas e meia de barco de Alter do Chão, no Pará, e a cerca de 600 quilômetros de Manaus (AM), capital mais próxima. “Mo” significa ser e “anã” se refere a encantado. Hoje, a comunidade encantada, com cerca de 300 pessoas, encampa ao menos quatro tipos de atividades econômicas e quer se tornar exemplo para outros ribeirinhos. 

A ligação com o rio é tradicional. Porém, a pesca era um desafio. “Nosso rio não tem muita alimentação para peixe, diferente do Rio Amazonas”. A solução veio com o projeto Musa (Mulheres Unidas Sonhadoras em Ação), a partir da criação de peixes em tanques-rede. “Antes, os maridos delas saiam para pescar, passava o dia todo e não conseguiam peixe. Então, pensaram: por que não criar peixe?”, acrescenta ainda Goudinho.

São aproximadamente 50 tanques. Entre tambaqui, matrinxã e tambatinga — um cruzamento entre tambaqui e pirapitinga -, o projeto em Anã tem cerca de 25 mil peixes já nos estágios finais para venda. 

O fornecimento é para outras comunidades da Resex, além do consumo interno em Anã. Mas Goudinho comenta que estão prestes a firmar um contrato para entregar 15 mil peixes durante um ano para três escolas das comunidades da reserva. A parceria será com a Prefeitura de Santarém (PA), via Programa de Aquisição de Alimento Indígena (PAA Indígena), que garante a alimentação da comunidade com produtos feitos pela própria comunidade. A questão agora está na organização interna. 

“Na hora que você assina um contrato desses, você tem que ter o produto. Porque, se você não tiver, você pode ser penalizado por isso. Então, por isso, a gente está se organizando, para que, quando a gente entrar dentro do programa, a gente tenha condição de atender”, aponta. 

Os planos também incluem produzir a própria ração. Esse é um custo que pesa para eles (um saco de 25 quilos chega a R$ 130), já que dependem da soja e do milho, não produzidos ali. “A base da ração que queremos fazer é dos insumos que temos: mandioca, açaí, casca do cupuaçu”, comenta o ribeirinho, que também afirma que os testes da melhor formulação já começaram.

O mel de Iramãña 

O nome indígena Iramãña se refere às abelhas sem ferrão. Pequenas e mas igualmente importantes na floresta,  esses insetos são conhecidos na região como abelhas-canudo ou abelhas-tucano. Além de polinizar, elas ajudam a completar a renda das famílias de Anã. 

O mel produzido ali guarda algumas particularidades. Uma delas é a forma da colmeia, em que os compartimentos para guardar o líquido são como potinhos naturais e não favos. Por isso, a extração se difere das abelhas com ferrão, já que é feita utilizando seringa. 

Na boca, o gosto e a textura chamam atenção. O mel das canudo é mais líquido. Já o sabor ressalta a doçura acompanhada de uma acidez marcante. 

Em média, por ano, Goudinho e as demais famílias que mexem com abelhas chegam a produzir 400 quilos de mel. No ano passado, a seca fez a produção cair pela metade, já que, no período da florada da floresta amazônica (entre setembro e janeiro), as flores diminuíram. “Elas não tinham alimento. A gente colocou água para elas, mas não tinha flor”, conta o ribeirinho, que também relata a perda de quase 30% das colmeias da comunidade. Neste ano, eles estão recuperando parte perdida, mas isso ainda vai requerer algum tempo. 

Turiarte

Além de peixe e mel, Anã conta com uma renda que vem da Turiarte. A cooperativa tem cerca de 180 cooperados de outras 11 comunidades da Resex, além de Anã. 

O motor da cooperativa são as 114 cooperadas artesãs. A partir da folha da palha de tucumã, elas produzem uma série de objetos, como descanso de panelas, cestas, porta-lápis e porta-copos. A capacidade de produção é de mil peças por mês e um dos desafios é dar escala. Por isso, Natália Dias, presidente da cooperativa, indica que estão buscando incluir na cooperativa outras três comunidades da Resex que já trabalham com artesanato. 

“Nossa demanda pelo artesanato aumentou muito”, revela, ao comentar sobre parceiros que buscam a cooperativa para comprar os produtos, alguns impulsionados pela Conferência do Clima (COP-30) que será realizada em Belém neste ano. 

O outro braço da cooperativa é o turismo. Como Dias explica, essa é uma atividade mais personalizada e que não acontece sempre, já que os pacotes são feitos com agências parceiras e não diretamente.

Quem visita é levado para uma experiência de imersão na cultura local. Começando pelo trajeto de barco, único meio de chegar até lá. Os visitantes também podem acompanhar como é feito o artesanato, a farinhada (processo de produção de farinha) e a retirada do mel. Outra atração é a piracaia — que significa peixe assado na brasa, tradição mantida nas praias da Resex. E quem se interessar ainda pode passar a noite no redário da cooperativa. 

“Indiretamente, a gente acaba apoiando outros projetos, como do mel e da piscicultura”, comenta Dias, já que o mel, por exemplo, é vendido nesses momentos com os turistas.

Os planos agora são ampliar as fronteiras com as exportações dos produtos artesanais, que ainda ficam apenas no Brasil, sendo 80% em produção sob encomenda para lojistas. 

“É um sonho que a gente está tendo [sobre exportar]. A gente está passando por uma qualificação. A gente está aprendendo como é feito o processo de exportação”, diz a presidente que ainda inclui na ideia de expansão a estruturação de um e-commerce.

*Jornalista viajou a convite do Sistema OCB

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