A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) está em ritmo de fim de festa. Com pavilhões na Blue Zone fechados, devido a um incêndio, e os eventos e espaços paralelos por Belém (PA) funcionando em horário reduzido, a COP do Brasil chega ao fim nesta sexta-feira, 21. E o saldo final do setor agropecuário é de que o evento foi positivo para o agro, mas com alguns pontos que poderiam ter sido melhores.
Mesmo com a finalização oficial, na prática, a COP só termina quando há consenso para a entrega de um documento final. Para isso, ainda não há previsão, e o mais provável é que as negociações continuem pelo sábado, 22, ou até mesmo domingo, 23, como vem acontecendo nas últimas conferências.
Sobre o que pode ou não sair das negociações, o chefe da Assessoria de Relações Internacionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Marcelo Morandi, ressalta que é preciso observar isso como um processo e não como uma decisão única e impositiva. “Às vezes as pessoas esperam que da COP saia uma decisão que vai falar um número que todo mundo vai ter que seguir, mas isso não existe. Não é esse o papel da COP. O papel da COP é criar as compreensões globais e as regras gerais. Dentro das regras gerais, cada país vai desenvolver a sua estratégia”, comentou ao Agro Estadão.
Morandi faz parte da equipe brasileira de negociadores, auxiliando em assuntos técnicos relacionados ao setor agropecuário. Um dos pontos que ele cita é a questão do financiamento climático. O último rascunho de um dos documentos oficiais da COP reafirma a necessidade de buscar formas para encontrar e ofertar US$ 1,3 trilhão anuais a partir de 2035. Recursos dessa natureza seriam importantes para o setor na questão da adaptação climática.
“Tem dinheiro interessado em financiar a agricultura, agora não é qualquer agricultura, é uma agricultura que seja de fato sustentável. E aqui a gente teve uma oportunidade grande de mostrar; olha, no Brasil nós temos bons projetos”, ressaltou.

Fim dos combustíveis fósseis e os biocombustíveis
Apesar de uma coalizão de países pressionar para que o documento final traga alguma citação que indique um direcionamento para o fim do uso dos combustíveis fósseis, o mais provável é que o tema fique de fora. Para o coordenador do Comitê de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Eduardo Bastos, grandes produtores de petróleo, além de um cenário geopolítico difícil, com guerras e o retorno de Donald Trump ao governo norte-americano, acrescentam uma dose de desafio para um documento mais incisivo nessa direção.
“Parte da solução [para a substituição dos combustíveis fósseis] também é o biocombustível. E aí também há uma discussão muito forte em relação à quantidade que a gente pode produzir. A gente teria que quadruplicar a produção global de biocombustível para realmente fazer uma diferença”, acrescentou. Nesse sentido, ele pontuou que um incremento na produção agrícola, utilizando áreas degradadas, pode trazer uma solução para esse ceticismo.
A exibição da agricultura tropical
Os dois especialistas são unânimes em ressaltar que a COP foi importante para demonstrar o papel da agricultura tropical. A AgriZone teve função importante nisso, segundo ambos. O espaço foi considerado a oportunidade para mostrar, na prática, que há diferentes sistemas de produção agrícola e que esses sistemas também contribuem para a solução climática.
“A gente plantou uma semente nessa COP para dizer que o agro bem feito é parte da solução”, disse Bastos. Na mesma linha, Morandi também avalia que a “agricultura foi colocada num patamar importante dentro das discussões”.
O integrante da equipe brasileira de negociadores também recorda outro ponto que os documentos oficiais tocam e foram ressaltados na COP de Belém. “O Acordo de Paris tem parágrafos, tem linguagens que protegem a agricultura no sentido de que todo o desenvolvimento econômico, toda a mudança da transição para uma economia de baixa emissão de carbono, não pode ameaçar a produção de alimentos. Então, isso foi reafirmado aqui e é positivo”, lembrou.

Falta de representação
O coordenador da Abag comemorou a participação do setor. “Nunca teve tanta gente do agro na COP”. Mas, na análise dele, essa participação acabou se limitando a outros espaços, como a AgriZone e a Green Zone. Por isso, uma crítica que Bastos aponta é a falta de mais representantes do setor na Blue Zone, local onde o fluxo de negociadores é maior, já que é neste ambiente que estão as salas e plenárias de reuniões para as negociações.
“Acho que o ponto que podia ser melhor, na Blue Zone, teve pouca credencial para gente do agro. O Ministério da Agricultura recebeu 16 credenciais. A gente soube que alguns ministérios receberam mais de 300 credenciais. Então, fica muito claro o nível de participação. Vários presidentes [de entidades] e associações com quem eu conversei não receberam credencial. A minha credencial, por exemplo, veio de outro país. Eu não recebi do governo brasileiro. Então, isso prejudica a participação”, afirmou o coordenador.
Já Morandi disse não saber números exatos quanto às credenciais, mas confirmou que houve um problema nesse sentido que afetou não só representantes do setor. “O Ministério da Agricultura realmente recebeu um número pequeno de credenciais em comparação a outros. E não só o ministério, porque as credenciais também foram limitadas para outros grupos da sociedade civil”, comentou. Mesmo assim, ele vê que a situação foi “contornada”, seja pela presença em outros espaços.
De olho na COP 31
A próxima Conferência do Clima deve ocorrer em um formato diferente, com a Turquia como sede física e a Austrália na presidência. Mesmo com um layout não comum, ambos especialistas observam que a próxima COP pode ser uma oportunidade para tratar com mais ênfase sobre o tema da agricultura. “Essa COP não é de sistemas alimentares, mas a COP 31 será”, indicou Bastos.
O membro da Embrapa diz que isso pode colocar a agricultura em um “patamar interessante”. Mas alertou que é preciso tomar cuidado para não haver uma inversão de discursos. “Temos só que cuidar para que a agricultura seja tratada da forma correta, não como a vilã das mudanças climáticas. Ninguém questiona que é um setor que deve reduzir suas emissões. Mas ela também tem um papel fundamental na segurança alimentar e isso tem que ser assegurado, e é um setor vulnerável às mudanças climáticas”, ressaltou Morandi.
*Jornalista viajou a convite da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) e CropLife Brasil



