A política de microcrédito vem sendo utilizada como ferramenta para a inclusão produtiva e social por meio dos bancos de desenvolvimento, há quase 25 anos. Motivados por essa postura, o Ministério da Cidadania editou um decreto regulamentando o crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil. Em sua exposição de motivos, o ministério destaca que a medida “se mostra importante e de extrema relevância tendo em vista a necessidade de continuar a proteger os segmentos mais vulneráveis da população, possibilitando que os beneficiários possam usufruir efetivamente desse direito.”
Para além da democratização de um direito fundamental, a política objetiva fornecer mais um elemento para a chamada “rampa de ascensão social”, somando-se à possibilidade de acúmulo do emprego formal com o Auxílio Brasil, nos dois primeiros anos, ao benefício de inclusão produtiva urbana e rural e à garantia de retorno ao programa social no caso da perda do vínculo formal. Logo, o crédito pode também ser entendido como uma ferramenta para a inclusão produtiva. Diante desse esforço, surge uma pergunta natural: os programas de microcrédito são capazes de atender a seus objetivos, promovendo o fortalecimento e inclusão produtiva dos pequenos empreendedores?
Em um relatório recente, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) desenvolveram uma avaliação detalhada acerca dos impactos dos programas de microcrédito, como os do Programa Crescer (IPEA, 2020). Essa avaliação ganha relevância por conta do público beneficiado – indivíduos pertencentes ao Cadastro Único (CadÚnico). O objetivo principal do estudo era demonstrar como as iniciativas de microcrédito podem auxiliar na superação da pobreza. O Programa Crescer elevou a renda dos indivíduos em até 10,1%. Dado que a amostra consiste apenas em pessoas que estão no Cadastro Único, percebe-se que esse programa promove um aumento nos ganhos de uma parcela da população em maiores condições de vulnerabilidade socioeconômica.
Contudo, algumas observações devem ser feitas. Muitas delas estão sintetizadas no volume temático do American Economic Journal: Applied Economics, volume 7, número 1, de 2015, onde são tratados os impactos do microcrédito como ferramenta de combate à pobreza. Em resumo, há dois conjuntos de resultados voltados para economias em desenvolvimento. Parte deles aponta dois pontos que podem reduzir o efeito do microcrédito na prosperidade dos pequenos empreendimentos: i) vários beneficiários podem direcionar o recurso para o consumo, em detrimento do investimento em suas atividades; e ii) outros podem utilizar o crédito em seus empreendimentos, mas empregando em “tecnologias” obsoletas e ineficientes.
Em contraponto, estudos estimam que para empreendedores (empreendimentos) já existentes antes da política, os feitos foram expressivos; crescimento de até duas vezes nos lucros mesmo após dois anos da implementação da política. Essa evidência foi reforçada em 2018 por um estudo que contava com a prêmio Nobel de Economia, Esther Duflo, como coautora. Nele demonstra-se que a preexistência da atividade econômica é o fator mais importante para a política, visto que os demais beneficiados são pessoas que direcionam o crédito ao consumo e/ou a negócios “relutantes”.
Esses resultados indicam que o programa de crédito ligado ao programa social pode se configurar como uma política capaz de atender aos seus propósitos, pavimentando o caminho da rampa de ascensão social. Contudo, deve-se reforçar a focalização nos beneficiários com alguma atividade pregressa. Em seguida, recomenda-se, fortemente, o processo de capacitação, e posterior formalização, evitando o investimento em processos obsoletos e ineficientes. Ao atender a esses pontos, o programa de microcrédito superará os principais pontos de crítica elencados pela literatura especializada.
Erik Figueiredo
Presidente do Ipea