Da safrinha ao bilhão: Como etanol de milho virou motor de um novo meganegócio no Brasil

A trajetória do etanol de milho no Brasil é um caso emblemático de como uma commodity secundária pode ascender ao protagonismo em uma nova fronteira energética. O que começou como “safrinha da soja”, alternativa de cultivo fora do calendário da principal cultura do país, evoluiu para um setor bilionário que hoje movimenta cerca de R$ 31 bilhões anuais e já mira um mercado ainda maior com o uso do etanol como combustível marítimo.

Do coadjuvante à estrela do agroenergético

Durante décadas, o milho era visto como uma cultura complementar no Brasil, cultivada no vácuo da safra da soja. A ideia de produzir etanol a partir do grão, seguindo o modelo americano, era ainda considerada uma aposta incerta. Há apenas dez anos, o etanol de milho começava a surgir no radar, encarado como uma alternativa concorrente ao consagrado etanol de cana-de-açúcar brasileiro.

Mas o cenário mudou. A partir de 2017, impulsionada pelo esgotamento da expansão da cana e pela demanda crescente por combustíveis limpos, a produção de etanol de milho explodiu, inicialmente no Centro-Oeste e, mais recentemente, avançando para o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e o Nordeste, regiões com alto consumo de combustíveis para motores flex.

Crescimento acelerado e industrialização

Atualmente, o Brasil conta com 25 biorrefinarias de etanol de milho, com 16 novas unidades autorizadas e outros 16 projetos em planejamento. Cada planta exige investimento médio de até R$ 2 bilhões. A previsão da União Nacional do Etanol de Milho (Unem) é que o setor receba R$ 40 bilhões em aportes na próxima década.

O salto de participação do etanol de milho na matriz energética é impressionante: de 2% em 2019 para 23,6% em 2024. A produção atual já atinge 10 bilhões de litros, e a meta é dobrar esse volume até 2034, igualando-se à produção atual do etanol de cana.

Subprodutos que viraram protagonistas na produção do etanol de milho

A revolução não se limitou ao combustível. Os subprodutos da destilação também ganharam protagonismo:

  • DDGS (Grãos Secos de Destilaria com Solúveis): Rico em proteína (25% a 30%), gordura e fibras, é amplamente utilizado na nutrição animal, especialmente em confinamentos bovinos. Sua durabilidade e facilidade de transporte ajudaram a impulsionar a pecuária intensiva e a liberação de áreas de pastagem para o cultivo de grãos.
  • Óleo de milho: Além de servir à alimentação, tornou-se base para a produção de combustíveis renováveis como SAF (Combustível Sustentável de Aviação) e HVO (Óleo Vegetal Hidrotratado), ambos pilares da transição energética.

As Big Corns do Brasil

Inspiradas pelas Big Techs, surgiram as “Big Corns”, empresas que lideram essa transformação:

  • Inpasa: Iniciou no Paraguai em 2008 e chegou ao Brasil em 2019. Hoje é a maior produtora de etanol da América do Sul e a segunda do mundo, com 3,7 bilhões de litros/ano. Em 2024, sua receita foi de R$ 13,6 bilhões. A unidade da empresa em Sinop (MT) é a maior usina de etanol do planeta, com produção de 2 bilhões de litros/ano.
  • FS (Fueling Sustainability): Primeira 100% dedicada ao etanol de milho no Brasil, opera três usinas em MT e fatura R$ 10,7 bilhões. É controlada pela americana Summit e ocupa o 3º lugar no ranking nacional (atrás da Inpasa e da Raízen).
  • Usimat: Criou uma planta “flex” em 2012 e triplicou a produção com autorização da ANP. Sua aposta na alternância entre cana e milho tornou-se referência de flexibilidade e eficiência.

Petrobras de volta ao jogo?

O sucesso do setor reacendeu o interesse da Petrobras, que saiu do segmento em 2018. Agora, a estatal avalia joint ventures com participação minoritária, e há rumores de negociação com Inpasa e FS. Segundo especialistas, a escala de produção da Inpasa supera em muito as concorrentes: uma única planta da empresa equivale à produção de 8 a 9 usinas médias de cana.

Da terra ao mar: etanol na navegação

O próximo salto do setor pode ser ainda maior: a utilização do etanol como combustível marítimo, especialmente na forma de biobunker. O mercado naval movimenta mais de 30 mil navios cargueiros, cada um com tanques de até 1 milhão de litros. A demanda potencial é estimada em 400 bilhões de litros de etanol por ano, muito acima da produção mundial atual.

Inpasa já planeja atender essa nova frente com estrutura própria de refino, escritórios na Suíça e dois grandes investimentos em construção: uma nova planta em Luís Eduardo Magalhães (BA) e outra em Rio Verde (GO), que juntas somam produção superior a 1,4 bilhão de litros de etanol e quase 750 mil toneladas de DDGS, além de óleo vegetal para o setor de SAF.

Etanol de milho: Um novo ciclo para o agro brasileiro

Com produtividade crescente, investimentos bilionários e oportunidades internacionais, o etanol de milho representa um novo ciclo de riqueza, sustentabilidade e inovação no agro brasileiro. E, diante de um mundo que busca alternativas aos combustíveis fósseis, esse meganegócio está apenas começando.

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