Em um país onde o agronegócio responde por cerca de 25% do Produto Interno Bruto, a qualidade da formação de profissionais que atuam diretamente na sanidade animal, na segurança dos alimentos e na defesa agropecuária é acompanhada com atenção. E é justamente essa preocupação que reacendeu o debate após a publicação da Portaria MEC nº 378/2025, que atualiza as diretrizes do Ensino a Distância (EaD) no Brasil.
A nova norma estabelece que cursos como Medicina, Odontologia, Enfermagem, Psicologia e Direito devem ser exclusivamente presenciais. A surpresa veio com a exclusão da Medicina Veterinária dessa lista, isso, na prática, abre caminho para a ampliação de cursos à distância na área.
O movimento acendeu um alerta no setor. Nesta semana, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) reagiu imediatamente, protocolando ofícios: um, no Ministério da Educação (MEC) cobrando explicações sobre os critérios adotados, e outro no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), solicitando apoio institucional.
No ofício encaminhado ao ministro Camilo Santana, o CFMV solicita uma audiência institucional e o acesso aos estudos, pareceres técnicos e documentos que embasaram a decisão do MEC. O objetivo, segundo o Conselho, é entender por que o curso de Medicina Veterinária poderá ser oferecido de forma semipresencial, diferentemente de outras áreas da saúde que mantêm a exigência de presencialidade total.
Médico veterinário é fundamental na pecuária
Em carta aberta, a Scot consultoria, destaca que, a presença do médico veterinário não apenas é atrelada ao consultório para atendimento aos animais domésticos. “Na pecuária, ele é peça-chave para garantir a sanidade dos rebanhos, o bem-estar animal, a produtividade, a formulação de dietas, o controle de doenças e a certificação sanitária de produtos de origem animal”, afirma o texto.
Além do mais, a presença do profissional é determinante na vigilância epidemiológica, no controle de zoonoses e na fiscalização de frigoríficos — processos que asseguram não só a saúde dos animais, mas também a segurança alimentar da população e a competitividade do Brasil no mercado internacional.
O professor Enrico Ortolani, da FMVZ-USP e colunista da Scot Consultoria, salienta que, cerca de 40% da carga horária de um curso de Medicina Veterinária envolve atividades práticas. “Principalmente nas disciplinas aplicadas, em que o estudante, ao lado dos animais e dos processos, é capaz de vivenciar e aprender técnicas, executá-las e interpretar os resultados por meio da leitura adequada do ambiente”, explica.
Para ele, é um contrassenso que o MEC proíba a modalidade EaD em Medicina, mas a permita em Medicina Veterinária, considerando que ambas compartilham fundamentos médicos semelhantes. “Na Veterinária, ainda há diversos aspectos essenciais que vão além da medicina clínica”, completa.
Atualmente, o Brasil já possui mais de 500 cursos de Medicina Veterinária, uma possível expansão desenfreada levanta dúvidas sobre a capacidade das instituições de ensino garantirem uma estrutura adequada. “Se já há desafios sérios na formação presencial, abrir espaço para o EaD em larga escala pode aprofundar essas fragilidades”, aponta Ortolani, ressaltando que, além dos riscos à saúde animal e à segurança dos alimentos, há também um impacto direto na credibilidade da profissão, na expectativa dos estudantes e na confiança da sociedade.
A Scot Consultoria, diz acompanhar com atenção e responsabilidade as discussões sobre o assunto. “Reconhecemos o papel fundamental da inovação educacional e das tecnologias no processo de ensino, mas reforçamos a importância de critérios técnicos rigorosos quando se trata de profissões que exigem habilidades práticas e responsabilidades sanitárias”, salienta.
O que dizem o MEC e o MMA?
O MEC informou ao Agro Estadão que, os cinco cursos (Medicina, Direito, Odontologia, Enfermagem e Psicologia) ofertados exclusivamente no formato presencial, já vinham sendo tratados de uma forma diferenciada. Além do mais, segundo a Pasta, trata-se de cursos que, além do MEC, contam com outras avaliações dos conselhos profissionais.
A Pasta esclarece que, atualmente, todos os cursos superiores — inclusive os presenciais — podem ter um percentual de sua carga horária desenvolvida em atividades a distância. A exceção é o curso de Medicina, que possui uma regulamentação mais rigorosa e não permite a introdução de qualquer carga horária em formato remoto.
O Ministério, porém, não forneceu detalhes específicos sobre as regras aplicáveis ao curso de Medicina Veterinária.
Já o MMA informou que o pedido de apoio institucional do CFMV será definido após análise da equipe técnica, ainda em curso.