Diário do Poder: ‘A fala é de origem divina’

Em um artiguete anterior eu já falei do lugarejo onde eu nasci. Bom Jesus era um distrito da cidade de Tabira, nos confins do Estado de Pernambuco, situado às margens do Rio Pajeú. Aí passei a infância e a adolescência, onde a vida cultural consistia, basicamente, em ouvir a Rádio Pajeú da Diocese de Afogados da Ingazeira.

Na rádio Pajeú ouvia cantorias diariamente. Se não me falha a memória, o programa produzido pelos cantadores de viola era realizado ao meio dia. Lembro-me, inclusive, da aparência física de Miguel Espinhara (gordinho), com uma deficiência visual. Conheci-o pessoalmente, cantando na agora cidade de Tuparetama, e ouvindo-o na Rádio da Diocese.

Não tenho certeza das circunstâncias em que decorei uma estrofe, muito espirituosa, do cantador Miguel Espinhara. Cantava com um parceiro na cidade de Afogados da Ingazeira, assim eu soube. Lá para as tantas, alguém colocou uma moeda no recipiente coletor do pagamento da dupla de cantadores.

Em razão de sua deficiência visual, Miguel Espinhara consultou ao colega o valor depositado no recipiente – não me membro como se chamava o referido recipiente com essa utilidade. O parceiro de Miguel Espinhara informou-lhe: – vinte centavos. Obtida essa informação, versejou:

Me deram vinte centavos

Oh pagamento barato!

Amanhã vou jogá-lo

Numa dezena de gato

Oh! Amanhã é domingo

Eu jogá-lo é no mato.

Por esse tempo – na adolescência – passei também a me interessar pela obra do meu parente (distante), poeta violeiro Rogaciano Bezerra Leite. Em 1950, no Rio de Janeiro, ele havia publicado sua obra mais citada: “Carne e Alma”, que eu só vim a conhecer numa quarta edição de 2009, que me foi dedicada por meu sobrinho, Álvaro Monteiro Perazzo e por meu irmão Argemiro Perazzo Leite.

Rogaciano Leite nasceu em 1º de julho de 19920, no sítio Cacimba Nova, no atual município de Itapetim, no seio de importante núcleo da família Leite. Nesse município, aí vivem meus parentes pelo lado da minha avó paterna, Maria Augusta Leite de Andrade.

Filho de humildes camponeses, iniciou sua vida profissional em Patos, na Paraíba, como cantador de viola. Como cantador de viola projetou-se. Apresentou programas radiofônicos em Caruaru, e, logo depois, fixou residência em Fortaleza, onde foi jornalista. Relacionou-se com poetas de renome, intelectuais e autoridades do poder legislativo e executivo. Fez importantes viagens internacionais.

Mesmo não tendo tido acesso à sua obra mais famosa (Carne e Alma), enquanto adolescente, decorei e declamava poemas de sua autoria, que ainda hoje, passados mais de cinquenta anos, ainda serei capaz de recordar. Se eu tentar ainda posso declamar o poema “Eulália”, com 14 (quatorze) estrofes, composto em 1948:

Deixei-a solitária, por uns dias,

Enquanto melhorava do ciúme,

E saí para evitar muitas porfias

Que entre nós já se davam – de costume.

(…)

Acho que meu interesse pela palavra começa aí, no prazer de ouvir a poesia popular, que era a mais rica manifestação cultural da minha Região (Sertão do Pajeú). Em casa, não tive qualquer influência que me motivasse a tomar gosto pela vida intelectual. Meus pais não liam. Não havia ainda biblioteca na cidade, nem quem estimulasse o prazer da leitura.

Os primeiros livros com os quais tive contato eram do meu primo Argemiro Leite de Souza que estudava Direito no Recife. Na casa de minha tia Maria, mãe de Argemiro, no SítioPanelas (herança do meu avô paterno), deixara livros que não tinham importância para sua vida acadêmica. Eu os folheava com curiosidade, especialmente folhetos de cordel.

Concluído o curso ginasial, aos 16 anos, fiz uma viagem solitária do Sertão de Pernambuco para a capital, Recife, onde pretendia cursar o segundo grau. Logo dei-me conta das minhas deficiências nas disciplinas básicas. Não conseguia acompanhar o curso científico, como na época era chamado o segundo grau.

Portava no bolso uma folhinha do “Coração de Jesus”, contendo um endereço de um Seminário Católico na cidade de Guaratinguetá, Estado de São Paulo. Fiz uma carta ao Reitor do referido seminário, falando da minha vocação sacerdotal. Eu queria estudar! Respondeu-me sugerindo um Seminário no Estado da Paraíba, da Ordem dos Franciscano.

Em que pese não ter logrado êxito em estudar no seminário sugerido, terminei por ser aceito como seminarista da Ordem dos Carmelitas na cidade de Camocim de São Felix, onde cursei o segundo grau (Curso Clássico). Aí faltou-me alguém, de quem tivesse incentivo para ler obras clássicas, gosto que só muito tarde adquiri.

Faltou-me alguém que à época do seminário tivesse me orientado em leituras de Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Santo Afonso Maria de Ligório, Cícero, Platão, Aristóteles, e muitos outros.

Ao voltar para o Recife para fazer o preparatório para o vestibular, não sabia a graduação que deveria cursar. Tudo se deu por improviso. Um colega, filho de um sindicalista, terminou por me influenciar a fazer o vestibular de Ciências Econômicas. Mais um erro na minha formação! Não tinha base matemática para cursar ciências econômicas na Universidade Federal. 

No ambiente universitário convivi com um acadêmico do curso de Direito, que ainda como universitário, já participava de julgamentos no Tribunal do Júri em sua cidade, nas proximidades do Recife. Por sua influência, fiz um novo vestibular. Resolvi fazer Direito.

Quando fui fazer o meu primeiro júri já como advogado, dividindo a defesa com um Defensor Público, este me indagou se poderia dizer que era minha estreia. Disse-lhe que não. Ao final, ninguém percebeu que eu era um estreante.

Como Defensor Público, tive um relativo sucesso no Tribunal do Júri. Colegas da Defensoria Pública, ainda hoje, dizem que fui um modelo. Terminei por influenciar muitos jovens que hoje têm sucesso na advocacia criminal. Coordenei um curso de graduação em advocacia criminal que contribuiu para o progresso da advocacia em Rio Branco.

Faz uns quinze ou vinte anos que, ao entrar num restaurante na cidade de Porto Velho, uma jovem me fez um elogio. Disse-me que tinha a voz bonita. Agora, recentemente, na “Marcha Para Jesus”, ao entrar no elevador com o deputado federal Marcos Feliciano e com ele travar um diálogo, fez-me o mesmo elogio.

Se eu tivesse tido consciência, desde cedo, dos meus atributos da fala e da voz, quando da fase mais importante da minha formação educacional, com certeza, poderia ter alcançado maiores sucessos, e prestado melhores serviços à comunidade!

A descoberta de uma vocação, muito depende de um mestre, que não tive. Tudo aconteceu por improviso. Tudo fiz como autodidata, por tentativas. Pouco consciente, fui-me resolvendo pela palavra.

E agora a justificativa do título desse testemunho. Chegou-me às mãos o livro “A Origem da Linguagem”, com notas de Olavo de Carvalho.  A introdução está assinada por Harold M. Stahmer, que diz algo que eu busquei intuitivamente:

Deus é o poder que nos faz falar. Ele põe palavra de vida em nossos lábios. O próprio nome Deus significa: aquele que fala, que dota o homem com sua divindade para que fale”.

Antônio Perazzo, meu filho de cinco anos, todo dia me pede que leia para ele. Pede-me que o acompanhe à estante de meus livros e faça comentários sobre as obras lá existentes. Aproveito e falo de livros que não conheci quando do início de  minha formação.

Por ele (Antônio), dou-me conta de que Deus me usou para que eu cumpra o divino papel de educá-lo!

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