Diário Teológico: A Irrelevância dos Irreverentes

Aristóteles inicia sua Metafísica afirmando que o homem tende ao conhecimento e essa tendência era de maior inclinação às sensações, em especial, à visão. Quando andou nesta terra, Jesus Cristo afirmou que a liberdade adviria do conhecimento da verdade e desde que a história humana documenta os passos dos nossos pais sobre este mundo, o homem tratou de desenvolver ferramentas que lhe permitissem compreender a realidade que estava pronta diante de si, esperando para devorá-lo ou para, dela extrair algum bem. Naqueles tempos antiquíssimos, sem fast foods, supermercados e todas as bugigangas tecnológicas que a idade pós-moderna nos presenteou, compreender o mundo diante de si era uma questão de vida ou morte dos nossos antepassados. A princípio, mesmo os homens mais comuns que quisessem ver o nascer do sol do dia seguinte, viam-se obrigados a aprimorar suas chances de sobrevivência do lado de fora do paraíso à partir dos estímulos exteriores captados pelas sensações, quer lutando contra feras, contra a força da natureza e também nações inimigas, visto viverem como nômades no Gênesis da humanidade; tudo isso enquanto buscava compreender o chão sobre o qual apoiava os próprios pés, mais ou menos como tentar consertar os freios de um carro desgovernado a fim de detê-lo antes do impacto, e ainda sobreviver com o mínimo de escoriações possível. O fato de estarmos aqui, demonstra certo sucesso nessa missão, não sem os louvores devidos à Divindade.

Correndo seu curso natural, aquilo que era fundamental a todos os homens que quisessem sobreviver, logo tornou-se especialidade de umas poucas mentes brilhantes que se tinham destacado diante dos seus semelhantes, presenteando sua geração e a posteridade com meios proveitosos para a compreensão do mundo. O comprometimento com o entendimento da verdade e como este conhecimento incide sobre a realidade, uma busca que era, a princípio, obrigatória para a sobrevivência de todos, passou a ser ofício próprio dos videntes, profetas e filósofos em seus respectivos povos e sob os auspícios dos mais diversos deuses (diz-se); apesar disso, o propósito supremo dos homens que guiaram a proa dos rumos da humanidade, permanecia o mesmo: compreender a realidade que está disposta diante dos olhos como uma questão de vida ou morte; em suma: conhecer a verdade, a beleza e o bem supremo.  

As religiões de então, eram geralmente prescritivas, com complexos códigos morais e repletas dos mais difíceis rituais; o acesso à divindade e seus favores se davam por procuração sacerdotal: alma nenhuma poderia ter acesso à Divindade, sem um representante legal. Quando o cristianismo surgiu, a princípio confundido como uma mera seita dentro do judaísmo, sem gozar, porém, da tolerância oficial, logo expandiu-se pelas várias partes do império romano em não mais que poucas décadas; viu-se imiscuído a uma realidade que lhe era pouco favorável: de um lado, a religião judaica e seus partidos que contavam com o apoio do império, inclusive para sua exterminação; do outro lado, um império intolerante a ameaças, cuja definição repousava em seu bel-prazer; uma vez que os cristãos pareciam intolerantes, por negar os lauréis supostamente pertencentes a César, a perseguição e o martírio foram as únicas vias de justiça consideradas pelo império. 

A tolerância à religião de Jeová e sua inclusão às demais religiões e deuses do império, foi bem menos dolorosa do que com a religião de Jesus Cristo, o Deus que veio em carne, o Messias nazareno; isto porque o eterno e o temporal se tocaram; os céus vieram à terra e aqui ficaram águas que, na consumação, inundarão completamente o universo. Não bastasse a pregação cristã ser escândalo para os judeus e loucura para os gregos, os cristãos surgiram com uma subversiva doutrina, em sua relação com o estado romano: “dar a César o que é de César; e a Deus o que é de Deus”; a ameaça estava estabelecida: a alma humana guiada pelo Espírito agora tinha acesso livre à Divindade, sem intermediários e sacerdotes, senão Cristo. Quando esteve diante do Messias, Pilatos perguntou-lhe: “Que é a verdade?” (João 18.38); esta pergunta surgiu após Cristo reafirmar que seu reino não era deste mundo. Jesus deu testemunho sobre o que é a verdade apenas para os seus discípulos; ou melhor, ele deu testemunho sobre quem é a verdade (João 14.6), particularmente ao Seu povo; a Pilatos e aos seus acusadores, deixou apenas a certeza de que seu reino não era deste mundo e que quem é da verdade, ouve sua voz (João 18.28-40). Isso causou uma ruptura entre estado e religião; até então ambas as coisas caminharam de mãos dadas: a torá e seus mais de seiscentos mandamentos tornavam as tribos amorfas dos filhos de Israel, numa nação e povo, apesar dos altos e baixos. 

Em todas as nações, a religião sempre ocupou este lugar singular na vida pública e civil. Agora, o reino de Deus resolveu invadir, por meio do seu Cristo, os reinos dos homens e estabelecer seu trono nas mentes e corações dos súditos de um reino que não é deste mundo, pertencente àqueles que são da verdade; Paulo, um dos mais proeminente dos seus líderes, ordenou que os cristãos se submetessem voluntariamente às autoridades, bem como o dever de orar em favor delas, mesmo daquelas que os perseguiam. A perseguição aos cristãos recrudescia na medida em que o império romano via-se enfraquecido pelas tensões políticas e invasões bárbaras. Se por um lado o cristianismo não tinha o propósito de destruir o império romano, por outro, tampouco tinha a vocação de restaurá-lo diante da decadência da religião judaica e romana; não era seu dever tornar-se lei civil para a sociedade, da maneira como a torá era aos judeus ou como o alcorão é para os muçulmanos. Em parte alguma dos escritos sagrados cristãos, encontramos qualquer doutrina acerca da lei civil, moral ou economia para a sociedade; tudo o que encontramos, é: “o meu reino não é deste mundo”; todos os mandamentos e doutrinas estavam enclausurados à vida comunal da igreja à parte do estado romano, com a promessa de, no juízo final, julgarem os anjos e os homens, à destra do Cristo de Deus, inclusive os Césares. 

Numa simbiose profana, tentando salvar o mundo antigo de sua própria ruína, o cristianismo se apresenta para ser o fator unificador da vida social e moral da antiguidade, à despeito de sua verdadeira vocação. A princípio, o bom testemunho dos cristãos em geral, fê-los galgar posições de destaque no meio social, sem, contudo, haver confusão entre os reinos dos homens e o reino de Deus – ou melhor dizendo: entre a teocracia messiânica e o governo civil, como a prevalência do quiliasmo nos primeiros séculos do cristianismo deixam bem claro – até que Orígenes e Agostinho pusessem um fim a este último bastião. A vocação da religião cristã de lidar com o pecado dos homens e ser uma religião da redenção, de portar um documento pactual desta redenção, agora aglutinava-se gostosamente ao reino dos homens, gozando cada vez mais da proteção estatal. 

Quando no ano 384 d.C., o Édito de Tessalônica finalizava o processo formal que promoveu o cristianismo a religião oficial do império, finalizando um processo iniciado em 313 d.C. com o Édito de Milão, que tolerava o cristianismo, agora como uma tentativa de promoção da unidade política do império pelo cristianismo, cargos públicos, antes pertencentes aos sacerdotes pagãos, foram ocupados pelos bispos, que agora cresciam a jurisdição das suas paróquias até aos limites visíveis de suas cidades. Agostinho de Hipona, com sua obra magna “De Civitate Dei” lança o golpe de misericórdia que levou ao uso do aparato do estado para lidar com questões religiosas, estabelecendo a religião oficial, o culto oficial e, por conseguinte, a Igreja oficial Romana; toda esta realidade era o exato oposto do ensino de Cristo e da religião que ele deixou. À partir deste casamento profano, a igreja oficial obtém passe-livre para perseguir cristãos que se mantiveram como separatistas, sujeitinhos rabugentos que insistiam em dar a César apenas o que era seu por direito; exemplo disto, são os Novacianos, Donatistas e Valdenses, todos estes, anatematizados, perseguidos e martirizados pela verdade de Cristo. 

Após a renascença, o compromisso com a verdade objetiva correspondente à realidade, foi tornando-se cada vez mais opcional na medida em que essa busca pela verdade que dava sentido à realidade, afastava Deus das mentes e corações. Um dos frutos grotescos do espírito revolucionário da reforma protestante, foi o materialismo, que para muitos é a única e verdadeira “ciência” – muito embora não possa sustentar a si mesma à partir de suas próprias definições, uma vez que afirma que apenas o material existe, ao passo que a teoria materialista não é material, mas metafísica, pois pertence ao mundo das ideias; se esta é a verdadeira ciência, se o mais elevado conhecimento sobre a verdade, que alguém é capaz de alcançar, é de que a verdade é relativa, então, “comamos, bebamos e amanhã morreremos”. 

Aqui necessito abrir um parêntese.

Os relativistas assumem os pressupostos da dialética materialista (marxismo), mas ao mesmo tempo, afirmam que apenas o materialismo é um pressuposto verdadeiro. Os tais indivíduos são os mesmos que dirão que somos loucos por afirmarmos a verdade enquanto absoluta e cognoscível, diferente do ceticismo de David Hume que negava a cognoscibilidade da verdade por causa da nossa incapacidade para conhecermos tudo. Ora, ele mesmo não chegou a conhecer tudo mesmo assim, chegou a mágica conclusão de que não é possível conhecer a verdade. Então, é verdadeira a afirmação de que é impossível conhecermos a verdade? 

O mundo protesta contra a verdade porque aquilo que você acredita, tem reflexos na realidade; é exatamente por este motivo que os homens do nosso tempo, com todas as suas facilidades, não desejam conhecer a realidade, mas transformá-la. Mais ou menos o mesmo que executar a manutenção de um reator nuclear sem saber nada do assunto. As convulsões revolucionárias do século XX, em especial o comunismo e o nazismo, após galgarem seu prestígio acadêmico, foram trazidos para a realidade e o saldo, foi bastante conhecido: 21 milhões de mortos pelos nazistas e 120 milhões de mortos pelos comunistas. Atualmente, apenas uma delas, salva por Antonio Gramsci, por meio da “guerra de papel”, ainda mantém o pleno gozo de espaços para suas brincadeiras revolucionárias e é justamente a mais sanguinária delas – ambas merecem a latrina e o mesmo fim do pai da mentira.

Dentro da questão da verdade, nós afirmamos que a verdade “é aquilo que é”, é “aquilo que corresponde ao objeto”. Os seres se diferenciam entre si (negamos o monismo). Afirmamos ainda que a verdade é absoluta para todas as pessoas, em todas as épocas e em todos os lugares. Ora, quando questionamos aos relativistas se a verdade é relativa, logo lhes questionamos também: “se a verdade é relativa, então ela o é em todas as épocas, para todas as pessoas e em todos os lugares?”. Se ele afirmar que sim, logo, estará em contradição, pois esse é o conceito de verdade absoluta! 

Por termos conhecido a verdade (João 8.32) diferente do que Hume afirmou, e por sabermos que a Verdade é uma só, e exclusiva (não inclusiva, no sentido relativista), então não podemos deixar de julgar objetivamente, segundo as Escrituras, como nos ordena São Paulo: “Não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deve ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida?” (1Cor. 6.2,3). Quando alguém diz: “Há apenas uma regra: não há regras”, é uma afirmação falsa em si mesma pois ela inicia afirmando que “Há apenas uma regra”; logo, o relativismo é insustentável, e nada mais é do que um cão birrento correndo atrás do próprio rabo, e assim, muitos vivem sem jamais saber o que é certo e errado, afinal, até mesmo a moral se torna relativa, e crimes como o estupro e o assassinato, também não poderiam ser considerados como coisas “más” em si mesmas, afinal, para algumas almas revolucionárias, os fins (sociedade comunista) justificam os meios (‘paredones y fuzilamientos’). 

Isso é verdade pra você. E pra mim também: o fruto do relativismo é podre; não existem indivíduos mais amantes do totalitarismo, do que os relativistas, como os movimentos revolucionários deixaram claro na história; até hoje, os céticos a la David Hume jamais foram capazes de informar-nos como eles foram capazes de conhecer que não se pode conhecer a verdade; os relativistas nunca foram capazes de responder se a verdade: “não há verdade absoluta, tudo é relativo”, é uma verdade absoluta ou relativa; nunca foram capazes de responder à pergunta: “você tem certeza absoluta que tudo é relativo?” 

A atual situação social é decorrente da relativização dos valores morais, pois trocaram a moral absoluta gravada nos corações, pela moral situacional do estado secular agnóstico. A moral, aqui, é aquilo que nós não podemos não saber. O mundo atual odeia a verdade e graças ao relativismo, “algo pode ser verdade para você, mas não pra mim”, o que é contrário à lógica, pois duas coisas opostas não podem ser verdade ao mesmo tempo, mas isso pode ofender os good vibes de plantão. É possível que duas afirmações estejam erradas ao mesmo tempo, mas é impossível que estejam certas ao mesmo tempo e no mesmo sentido. O tempo pós-moderno, com todas as facilidades da tecnologia, presenteou-nos, além de outras patologias, com a certeza absoluta, inatacável e autoprobante, de que a verdade objetiva inexiste ou, na melhor das hipóteses, caso haja, não é cognoscível. Aristóteles, pobrezinho, dizia que o homem tendia a conhecer; mal sabia ele que, no fim de tudo, conheceria que era impossível conhecer. Hoje, do crente ao ateu, pagamos exaustivos impostos para a academia ensinar que não há verdade absoluta ou objetiva para os nossos filhos. Se não há tal coisa como verdade absoluta, não há também, moral absoluta. Logo, nada há de objetivamente diferente entre Martin Luther King e Adolf Hitler, apenas opiniões, tão verdadeiras quanto as outras. Se alguém disser que a diferença é que as ideias de Hitler assassinaram pessoas, perguntaremos novamente porque o assassinato é algo moralmente mal. O fato de que nenhuma civilização humana exaltou o assassinato como algo bom, parece ser uma evidência de que há algo no coração humano que ele não pode não saber. 

É um axioma: todos os homens enxergam o mundo à luz de uma cosmovisão. Inevitavelmente, você tem uma visão de mundo em que elementos são interpretados a partir desse filtro. Por isso há aqueles que têm restrições aos milagres, etc. Mesmo assim, toda uma verborragia anti-sobrenaturalista não responde o fato de que o cético não possui uma base epistemológica objetiva, afinal de contas, não há fundamento para indignações morais de homens enganarem outros, quer para obter o dinheiro numa igreja, quer para obter prestígio acadêmico na Universidade. 

Após este breve passeio pelo estado secular e sua cosmovisão agnóstica, volto minha atenção às influências do relativismo, a título de exemplo, em um dos aspectos mais fundamentais da vida da igreja: a liturgia. 

Aqui fecho o parêntese. 

É urgente que a igreja moderna seja lembrada de que ainda há ordem para o culto cristão; se ao mundo não foram dadas leis além das que já existem nos seus corações, ao povo de Deus ainda há limites que não devem ser ultrapassados. Nestes tempos de narcisismo, futilidade e exibicionismo, a liturgia do culto de louvor a Deus tem sido afetada pela cultura secular relativista na qual estamos inseridos: danças, reuniões com luzes apagadas, silvos, gritos, chocarrices, cânticos ruidosos, tudo o que os padrões relativistas situacionais estabelecem, menos a ordem e a decência do culto cristão simples, conforme o padrão do Novo Testamento.

No filme “Percy Jackson e o ladrão de raios”, há uma cena que muito chamou-me a atenção que é a do Cassino Lótus; todos os jovens adentraram num ambiente de festejos, trivialidades e banalidades. Em ali chegando, eram ludibriados enquanto saboreavam uma flor de lótus, que não era nada mais nada menos que uma iguaria que os fazia perder completamente a noção espaço-tempo. Atualmente há um verdadeiro desapego por parte dos cristãos modernos à qualquer ligação e associação deles aos santos do passado; seus hinos, seus costumes e sua liturgia são objeto do mais profundo desprezo; este estado de suspensão no tempo e no espaço, deixa os cristãos modernos suspensos, sem qualquer sentimento de pertencimento a uma coisa maior, de uma busca da verdade, do belo e do bem. Toda e qualquer iguaria e novidade que surgir, será deglutida antes mesmo que alguém seja capaz de expor seu verdadeiro sabor e suas prováveis contraindicações; as novidades serão aceitas sem qualquer barreira e qualquer irrisório protesto, não passa de preciosismo de gente brega, que não entende que somos mais evoluídos do que os santos que foram antes de nós. Isso ocorre porque não existe nenhuma associação entre nós e os santos passados, nem padrões entre ambos; não há padrões pré-estabelecidos, nem régua para medir: essa é a razão do livre-trânsito destas banalidades entre nós; indivíduos com suas afeições desordenadas são a régua máxima, numa prostituição da vocação do cristianismo em nome da moda do momento no meio gospel. 

Eis o verdadeiro relativismo litúrgico: “eu adoro a Deus do meu jeito”; “eu louvo a ele do meu jeito”; “a beleza está nos olhos de quem vê”. Na reunião cristã atual a intencionalidade do culto deixou há tempos de ser a pessoa de Deus e uma correta reação diante de sua Majestade e Soberania, reação esta que apenas pode vir de um coração regenerado, cujas afeições são ordenadas. A questão que sequer os modernos perguntam a si mesmos é: “será que Deus não estabeleceu limites?”; “Será que não há elementos para o culto verdadeiro?”; “Será que a minha intencionalidade não está em agradar corações não regenerados por meio de métodos carnais que atrairão pessoas carnais, e para que estas pessoas carnais permaneçam na igreja, a igreja não terá de usar métodos cada vez mais carnais?” (Parafraseio aqui Paul Washer).

É natural e fundamental ao ser humano que seu ser seja associado ao passado incluindo-o como uma pequena peça no mosaico histórico. Ocorre que estamos à mercê da próxima tendência eclesiástica; não há mais louvores atemporais que une a nossa fé aos nossos predecessores, cujos sacrifícios nem de perto se comparam com as trivialidades do culto moderno. Uma música que ocupou as “paradas de sucesso” do ano passado, hoje aparenta ser tão antiga que um neófito precisa anualmente trocar toda sua lista de reprodução num frenesi sem fim. 

O choque de gerações, que é atenuado por hinos sacros que explicam o passado e dão a razão de ser da mútua fé do membro mais antigo de nossa igreja e aquele bebezinho que apresentamos domingo passado, é algo fundamental que precisa ser abordado, e os fatores unificadores recuperados. O Cantor Cristão, hinário das igrejas batistas do Brasil, está morrendo, e mais um fator unificador se vai com ele. Enquanto estou revirando O Jornal Batista de 1901, há em mim este sentimento de pertencimento e de fé comum com aqueles santos que já se foram há um século, fato atenuado pelos hinos e esperança que deixaram registrados para que as futuras gerações testificassem da sua fé. As trivialidades litúrgicas modernas tornarão o culto cada vez mais banal, narcisista, bajulador, antropocêntrico e midiático. Ame o Cantor Cristão e os crentes que morreram e deixaram-nos lições valiosíssimas. Abandonemos esta liturgia carregada de elementos estranhos ao sentido do culto, que entretêm, mas é incapaz de lançar luz sobre a geração.

Numa clara deturpação da vocação cristã enquanto religião de redenção, que lida com o pecado dos homens e abre-lhes os céus, elevando-os até à presença de Deus, muitos tem usado da graça para dar ocasião à carne, como se liberdade e redenção fossem salvo-conduto para uma vida ególatra. A moda do momento no meio gospel é tão irreverente que não é capaz de ser minimamente aceitável enquanto reação adequada à Majestade da Divindade, de modo que nem um sacerdote pagão ousaria oferecer ao seu deus a banalidade do momento só porque está na moda. 

Apenas irreverentes acreditam que Deus não se importa com aquilo que lhe é oferecido; Deus aceita coisas simples, pois uma pomba ou cereais eram recebidos dos mais pobres para serem dados em sacrifício na Velha Aliança; mas oferecer um animal doente, o ofendia. Desde Epicuro, passando por Marx, vemos que os irrelevantes, munidos de seu pragmatismo e relativismo, caem no canto da sereia em não analisar as coisas pelo seu conteúdo de verdade, mas pela sua capacidade de mobilização das massas. Uma grande pirotecnia gospel é apenas um cordeiro doente cheio de ornamentos; a ofensa é ainda pior pela tentativa de comprar o dom do Espírito com moedas de ouro ou prata, como o mais vil exemplo de simonismo.

Por Ícaro Alencar. Escreve no Diário do Acre às terças-feiras na coluna Diário Teológico. É formado em Inglês pela Universidade Federal do Acre (Ufac), cursando Teologia no Seminário Teológico Batista Nacional. É tradutor, revisor e editor de livros da Editora Batista da Promessa e Co-pastor da Primeira Igreja Batista da Promessa.

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