Diário Teológico: A segurança em Cristo e o cair da graça

Prosseguindo em nossa investigação, quando voltamos a nossa atenção para a Convenção Batista Nacional (CBN), segundo seu documento Declaração de Fé das Igrejas Batistas Nacionais, no artigo X, que fala sobre o Propósito da Graça de Deus, lemos o que segue:
 
“Cremos que a Eleição é o eterno propósito de Deus, segundo o qual Ele gratuitamente regenera, santifica e salva pecadores; que esse propósito, sendo perfeitamente consentâneo com o livre arbítrio do homem, compreende todos os meios que concorrem para esse fim. […](2Tm 1.8,9; Ef 1.3-14; 1Pe 1.1,2; Rm 11.5,6; Jo 15.16; 1Jo 4.19; 2Ts 2.13,14; At 13.48; Jo 10.16; Mt 20.16; At 15.14; Êx 33.18,19; Mt 20.13; Ef 1.11; Rm 9.23, 24; Jr 31.3; Rm 11.28,29; Tg 1.17,18; 2Tm. 1.9; Rm 11.32-36; 1Co 4.7; 1.26,31; Rm 3.27; 4.16; Cl 3.12; 1Co 3.3,7; 15.10; 1Pe 5.10; At 1.24; 2Ts 2.13; 1Pe 2.9; Lc 18.7; Jo 15.16; Ef 1.16; 1Ts 2.12; 2Tm 2.10; 1Co 9.22; Rm 8.28, 30; Jo 6.37-40; 2Pe 1.10; 2Ts 1.4-10; Tg 2.18; Jo 14.23; Rm 8.28-30; Is 42.16; Rm 11.29; Fl 3.12; Hb 6.11).[1]”
 
Uma vez mais, vemos uma preocupação em não negarmos nenhuma verdade das Escrituras em detrimento da outra; a verdade da soberania de Deus sempre “está em consonância”, usando a linguagem da DD da CBB, ou, é “consentâneo”, para usar a linguagem da DF  da CBN, com o livre-arbítrio do homem.

Mais a frente, no artigo XII do mesmo documento, agora no item que fala sobre a Perseverança dos Santos, lê-se o que se segue:

“Cremos que só são crentes verdadeiros aqueles que perseveram até o fim; que a sua ligação perseverante com Cristo é o grande sinal que os distingue dos que professam superficialmente; que uma Providência especial vela pelo seu bem-estar e que são guardados pelo poder de Deus mediante a fé para a salvação (Jo 8.31; 1Jo 2.27, 28; 3.9; 5.18; Mt 13.20, 21; Jo 6.66-69; Rm 8.28; Mt 6.30-33; Jr 32.40; SI 19.11,12; 121.3; Fl 1.6; 2.12,13; Jd 24; Hb 1.14; 13.5; 1Pe 1.5; Ef 4.30).[2]”

Novamente, na DF da CBN, encontramos a associação entre a eleição com a Perseverança dos Santos e sua “Segurança em Cristo”, quando afirma que “a Eleição é o eterno propósito de Deus, segundo o qual Ele gratuitamente regenera, santifica e salva pecadores”; vemos também que a entrada à graça salvadora é peculiar aos que Deus de antemão conheceu, os quais produzirão frutos distintivos, pelo que “só são crentes verdadeiros aqueles que perseveram até o fim; que a sua ligação perseverante com Cristo é o grande sinal que os distingue dos que professam superficialmente”. E isto é o que sempre confiamos ser a verdade das Escrituras. Nisto cremos!

Mesmo nos círculos Batistas Fundamentalistas brasileiros, encontramos uma visão anabatista da soteriologia; com exceção da possibilidade de “cair da graça”, vários Batistas fundamentalistas aderem a algum tipo de “arminianismo” ou “anabatismo soteriológico”.

A evidência de que mesmo em grupos Batistas Fundamentalistas, existe uma visão anabatista, também é possível ser encontrada nos Distintivos dos Batistas Regulares; os distintivos possuem inclinações e elementos do que Norman Geisler chamaria de “Calvinismo Moderado”, ou o que considero mais acertadamente, “soteriologia anabatista” ou “arminianismo de quatro pontos”; o 3º Distintivo – Cristologia: A pessoa e obra de Jesus Cristo, está em concordância com a Expiação Ilimitada em sua extensão e particular em sua aplicação, própria do amyraldismo: “Jesus Cristo […] veio ao mundo para morrer na cruz pelos pecados do mundo (João 3.14-16; 1 Coríntios 14:3-4)” – grifo nosso;[3] a expiação ilimitada é afirmada pelo arminianismo, ao passo que os calvinistas negam-na, afirmando que a expiação de Cristo foi apenas pelo eleitos.

No mesmo documento, mais precisamente no 7º Distintivo – Soteriologia: A salvação pela graça de Deus, encontramos uma soteriologia robusta, afirmando os pontos afirmados tanto por calvinistas, quanto por arminianos, e claro, com a exceção da possibilidade de se “perder a salvação” própria do arminianismo clássico; assim lemos no documento:

“A salvação procede completamente de Deus e não do homem (Efésios 2.8-9). O homem natural está morto espiritualmente (Efésios 2.1-3) e não tem qualquer poder para buscar a Deus ou salvar a si mesmo (Romanos 3.9-18). Nada no homem é bom (Isaías 64.6; Jeremias 17.9): ele é inimigo de Deus e está debaixo da ira de dele (Romanos 1.18; 3.9-18, 23; 5.6-11; Efésios 2.3). A salvação é concedida gratuitamente ao pecador pela morte e ressurreição de Jesus Cristo (Romanos 3.21-26; 6.23; 1 Coríntios 15.1-4; 1 Pedro 2.24; 3.18) e é recebida somente quando o pecador se arrepende e crê, depositando a sua confiança somente em Cristo como seu salvador (João 3.14-18, 36; 5.24; Atos 3.19; Romanos 4.1—8). Obtê-la ou mantê-la não depende de méritos humanos (Tito 3.4-7; 1 João 5.9-13). É Deus quem toma a iniciativa de salvar o pecador, assim como de aperfeiçoá-lo até o Dia de Cristo (João 1.12-13; 3.5-7; 6.37; 15.16; Filipenses 1.6). Por isso, uma pessoa salva não pode perder a salvação (João 10.27—30; Efésios 1.13—14; 1 Pedro 1.5). [4] 

Por toda a primeira parte do Sétimo Distintivo dos Batistas Regulares, encontramos as afirmações claras que não podem ser negadas pelos cristãos Ortodoxos quanto ao “caminho da salvação”, diferente da “mecânica da salvação”, que por sua vez, permite diferentes entendimentos.

Tomando emprestado a linguagem de Martin Lloyd-Jones (1899-1981), em sua obra Arminianismo a Mecânica da Salvação, Silas Daniel assim resumiu o que se quer dizer por “caminho” versus “mecânica” da salvação, ao citar o calvinista: “[…] Lloyd-Jones afirmava, com acerto, que toda a diferença entre calvinistas e arminianos dizia respeito apenas ao ‘mecanismo da salvação’, e não ao ‘caminho da salvação’”[5]. O Sétimo Distintivo, em sua primeira parte, expôs o “caminho da salvação”, afirmado tanto por calvinistas quanto por arminianos; em sua segunda parte, porém, vemos uma inclinação à mecânica da salvação característica do Arminianismo.

No distintivo, o arrependimento precede a fé, como lemos: “A salvação […] é recebida somente quando o pecador se arrepende e crê”, grifo nosso; em seguida, prossegue o ponto comum dos Batistas brasileiros, afirmando a perseverança do salvo até o fim: “É Deus quem toma a iniciativa de salvar o pecador, assim como de aperfeiçoá-lo até o Dia de Cristo”; e finaliza, afirmando categoricamente: “Por isso, uma pessoa salva não pode perder a salvação”. 

Julgo importante acrescentar que, em nossa experiência como advindos do meio Batista Regular, e mantendo convivência com muitos deles até hoje, podemos afirmar que a realidade de cada igreja local deixa ainda mais clara a forte inclinação ao anabatismo naquele meio; cremos ser esta a maneira que naturalmente nos distinguimos soteriologicamente, como Batistas do Brasil.

Neste ínterim, podemos concluir quanto a este ponto que a impossibilidade de um crente “cair da graça” é um dogma próprio dos Batistas do Brasil, e embora haja entre os Batistas mais firmes alguns que afirmam a possibilidade do cair da graça, estes são minoritários em nosso meio, e claramente destoam da fé geralmente afirmada por nós.

O âmago de meu inquérito com respeito à Perseverança passará a ser considerado mais pormenorizadamente com relação a uma análise breve dos seguidores de Jacó Armínio, em seu movimento pela mudança na soteriologia da Igreja Reformada Holandesa. Lemos no Artigo V da Remonstrância que,
 
“Aqueles que são incorporados em Cristo por uma fé verdadeira, e consequentemente são feitos participantes do seu Espírito vivificante, são abundantemente dotados de poder, para que possam lutar contra Satanás, contra o pecado, contra o mundo e contra a sua própria carne, e ganhar a vitória. Contudo, sempre (queremos que seja bem entendido) com o auxílio da graça do Espírito Santo, Jesus Cristo os ajuda, pelo seu Espírito, em todas as suas tentações, estende-lhes as suas mãos, apoia-os e fortalece (caso estejam prontos para lutar, queiram o seu socorro e não desistam de si mesmos), de modo que, por nenhum engano ou poder sedutor de Satanás, possam ser arrebatados das mãos de Cristo, conforme o que Cristo disse em João 10.28 “ninguém as arrebatará da minha mão”. Mas, se eles não são capazes de, por descuido, τὴν ἀρχὴν τῆς ὑποστάσεως χριστοῦ καταλείπειν (esquecer o início de sua vida em Cristo), de novamente abraçar o presente mundo, de se afastar da santa doutrina que uma vez lhes foi entregue, de perder a sua boa consciência e de negligenciar a graça; isto deve ser assunto de uma pesquisa mais acurada na Sagrada Escritura, antes que possamos ensinar com πληροφορία (inteira persuasão) de nossas mentes […].” [6]
 
O primeiro apontamento que gostaríamos de fazer diz respeito ao modo como os Remonstrantes consideraram a eleição como estando inteiramente relacionada à perseverança, assim como os Batistas do Brasil afirmam em seus documentos.

Neste sentido, o que Deus previu foram os atos atuais, muito embora tenha pleno conhecimento dos atos potenciais, “segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef. 1:5); ao passo que aquilo que fora previsto, para ter sido verdadeiro e corretamente previsto, deve acontecer invariavelmente; portanto, a sua execução – o decreto eletivo – nos eleitos é imutável, não no sentido determinista, mas no sentido de que, a presciência que Deus possui dos eventos atuais, jamais falhará, vindo a ocorrer um evento potencial no lugar de um atual que foi presciente por Deus, uma vez que a execução tanto da eleição quanto da reprovação se dá quando da emissão do decreto Divino de designar Cristo como Cabeça federal dos salvos, a quem são vitalmente incluídos em comunhão perpétua e poder perseverante todos quantos nele tiverem fé, preterindo aqueles que, por seu próprio coração e desígnio, perseveraram até o fim em rebelião a Deus. 

Armínio afirma que:

“[…] uma coisa é declarar que “é possível, para os fiéis, cair da fé e da salvação,” e outra coisa é dizer que “eles realmente caem”. Essa distinção é de tão extensa observância que até a própria antiguidade não teve medo de afirmar, sobre os eleitos e os que estavam sendo salvos, “que era possível que eles não fossem salvos”; e que “a mutabilidade pela qual era possível não estarem dispostos a obedecer a Deus não foi tirada do meio deles”, embora tenha sido a opinião dos antigos “que, na realidade, essas pessoas nunca serão condenadas”. […] Se alguém afirma que levando em consideração o fato de terem sido eleitos não é possível que os crentes, finalmente, venham a cair e se manter longe da salvação, porque Deus decretou salvá-los – eu respondo que o decreto sobre ser guardado não tira a possibilidade da condenação, mas remove a condenação em si. Pois “ser realmente salvo” e “a impossibilidade de não ser salvo” são duas coisas que não são contrárias uma à outra, mas estão em perfeito acordo.” [7]

Aqui, Armínio parece afirmar que aqueles que Deus conheceu antecipadamente que perseverariam até ao fim tinham potência para o afastamento, o que não seria uma ideia tão absurda quanto parece à primeira vista: “Pois, “ser realmente salvo” são duas coisas que não são contrárias uma à outra, mas estão em perfeito acordo”; por outro lado, imediatamente após afirmar a potencialidade de um eleito “perder a salvação”, Armínio afirma o mesmo que queremos afirmar sobre “declinar da fé” e “declinar da salvação” como consistindo em coisas distintas, sendo que, de acordo com o nosso entendimento acerca dos nascidos de novo, a primeira é possível e a segunda não. Julgo ser mais acertado afirmar o mesmo que Armínio: “[…] uma coisa é declarar que “é possível, para os fiéis, cair da fé e da salvação,” [como evento potencial] e outra coisa é dizer que “eles realmente caem” [como evento atual]. Como havíamos supramencionado, a presciência que Deus possui dos eventos atuais, jamais falhará, vindo a ocorrer um evento potencial no lugar de um atual que foi presciente por Deus, uma vez que a execução tanto da eleição quanto da reprovação se dá quando da emissão do decreto Divino. É por tal razão que, Armínio considerou ser de bom tom à luz da revelação das Escrituras que, embora haja potencialidade para a queda do verdadeiro salvo, Deus jamais deixa que seu eleito caia de fato na apostasia, antes, fá-lo perder seus galardões, como está escrito: “Olhai por vós mesmos, para que não percamos o que temos ganho, antes recebamos o inteiro galardão”; e também: “Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa” (Ap. 3:11).

Notas

[1] MANUAL BÁSICO BATISTA NACIONAL E MANUAL DA ORMIBAN. Declaração de Fé. p. 23-24. Grifo nosso

[2] Ibid. Grifo nosso.

[3] EDITORA BATISTA REGULAR. Os Distintivos dos Batistas Regulares. Disponível em: <http://editorabatistaregular.com.br/os-distintivos-dos-batistas-regula res/>. Acessado em 18 de agosto de 2018.

[4] EDITORA BATISTA REGULAR. Os Distintivos dos Batistas Regulares. Disponível em: <http://editorabatistaregular.com.br/os-distintivos-dos-batistas-regulares/>. Acessado em 18 de agosto de 2018.

[5] DANIEL, Silas. Arminianismo a Mecânica da Salvação: uma exposição histórica, doutrinária e exegética sobre a graça de Deus e a responsabilidade humana. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2017. p. 11.

[6] SCHAFF, Phillip. The Creeds of Christendom, Volume III, pp. 545-549. Tradução de ARMINIPÉDIA. Cinco Pontos da Remonstrância. Disponível em (http://www.arminianismo.com/wiki/index.php?title=Cinco_Artigos_da_Remonstr%C3%A2ncia). Acessado em 17 de agosto de 2018. Grifo nosso.

[7] ARMÍNIO, Jacó. As Obras de Armínio. Vol. I. Rio de Janeiro: CPAD, 2015. p.257.

Tópicos:

PUBLICIDADE

Preencha abaixo e receba as notícias em primeira mão pelo seu e-mail

PUBLICIDADE

Nossa responsabilidade é muito grande! Cabe-nos concretizar os objetivos para os quais foi criado o jornal Diário do acre