Economia explica alta popularidade de Putin, às vésperas de quinto mandato

O Ocidente pode ter dificuldade de entender como Vladimir Putin, visto como criminoso de guerra por líderes europeus ou um “fdp maluco”, como disse Joe Biden, tem uma aprovação interna tão alta. Mas um olhar mais atento sobre a economia do país ajuda a explicar a popularidade do presidente russo.

Putin, que deve garantir um quinto mandato nas eleições deste final de semana e se tornar o líder mais longevo da história moderna da Rússia, tem um índice de aprovação de 86%, acima dos 71% de pouco antes da invasão da Ucrânia, segundo o Levada Center, um respeitado instituto russo de pesquisas.

Há discussões sobre a confiabilidade de pesquisas em ambientes autocráticos, onde os entrevistados podem não se sentir confortáveis em expor opiniões. E também há questionamentos sobre o pleito que termina neste domingo (17), visto como um jogo de cartas marcadas em que só uma pessoa pode vencer: Vladimir Putin.

O fato que não se questiona, porém, dentro ou fora da Rússia, é a robustez da sua economia.

Em 2022, logo após a invasão da Ucrânia, economistas previam que o PIB russo teria um colapso e encolheria até 10%. Mas a queda foi de apenas 1,2%, um recuo pífio para um país em guerra.

Em 2023, a Rússia cresceu 3,6%, superando o crescimento de todos os países do G7 e o avanço tímido de 0,4% da União Europeia. Neste ano a dose pode se repetir. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que o PIB da Rússia cresça 2,6%, bem acima da projeção para a Zona do Euro de 0,9%.

Em entrevista ao Financial Times, o economista-chefe do FMI afirmou que a economia russa está melhor do que muitos esperavam principalmente pelo forte estímulo de gastos do governo na “economia de guerra” e pelos preços firmes das matérias-primas, sobretudo dos combustíveis.

Vicente Ferraro, cientista político especialista em Rússia e professor da FGV, diz que o regime de Putin é baseado em três pilares: econômico, ideológico e o da repressão, algo comum em vários regimes autoritários. “E a economia é, sem dúvida, um pilar importante de sustentação do regime” diz.

Para o professor, a imagem de Putin, especialmente nos seus primeiros anos de mandato, se fortaleceu em boa parte pela estabilização econômica do país após o fim da União Soviética, que foi um “período traumático”. Putin está no poder – como presidente ou primeiro-ministro – desde 31 de dezembro de 1999.

Após a famosa crise russa de 1998, que teve reflexos inclusive no Brasil, o país passou por um período de recuperação tanto por méritos de Putin, que promoveu diversas reformas, quanto pelo boom das commodities dos anos 2000. “Muitos russos associaram que era melhor um líder forte e autoritário que trouxesse crescimento, do que o que tiveram nos anos 90, de abertura política, que foi caótica do ponto de vista econômica”, diz Ferraro.

Sanções dribladas

Em janeiro, Putin disse a uma plateia de empresários que o desempenho econômico do país tem sido surpreendente. “Eles deveriam estar nos sufocando e pressionando de todos os lados”, afirmou. De fato, potências ocidentais tentaram estrangular a economia russa, mas sem sucesso.

Desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, mais de 16,5 mil sanções foram impostas pelos EUA, pela União Europeia e por outros países. Metade das reservas russas, cerca de US$ 350 bilhões, foram congeladas, assim como 70% dos ativos de bancos. Instituições financeiras foram excluídas do Swift, a maior rede de pagamentos do comércio global.

Oligarcas do país também foram afetados por sanções, o que ajudou a unir grande parte da elite e da população em torno de Putin.

Um dos principais alvos foi o setor de petróleo e gás, que representa mais de metade das receitas estatais da Rússia e 70% das exportações.

Os EUA e o Reino Unido proibiram a compra de energia da Rússia; a UE proibiu as importações de petróleo bruto via marítima; e o G7 impôs um teto de US$ 60 por barril para o petróleo russo.

Moscou respondeu com a venda de energia para fora da Europa. A participação de países europeus nas exportações de petróleo caiu de cerca de 40% para 5% nos últimos dois anos, segundo dados do governo russo. Enquanto isso, a parcela da China cresceu para cerca de 50% e a da Índia, que basicamente não era um comprador de energia da Rússia, chegou a 40%.

Os Brics foram fundamentais para a Rússia encontrar novos mercados – e isso inclui o Brasil. As importações de combustíveis russos pelo Brasil saltaram de US$ 433 milhões em 2021 para US$ 5,3 bilhões em 2023, um aumento estrondoso de 1.124%.

De qualquer forma, não é possível dizer que as sanções não tenham tido efeito. O Tesouro americano afirma que elas retiraram 5% do crescimento econômico que a Rússia poderia ter tido nos últimos dois anos.

Presidente russo, Vladimir Putin, recebe o líder chinês, Xi Jinping, em Moscou / 20/03/2023 Sputnik/Sergei Karpukhin/Pool via REUTERS

Restrições a importações também contornadas

Em 2022, as imagens de russos fazendo filas quilométricas no McDonald’s para comprar o último hambúrguer antes de a rede deixar o país traziam uma perspectiva de que as restrições impostas às importações também causariam grandes danos aos consumidores russos. De fato, grandes empresas, como McDonald’s, Coca-Cola, Starbucks e Heineken e centenas de outras encerraram operações no país.

Mas isso de certa forma também foi contornado. A Rússia recorreu a países terceiros para importar os produtos que precisa, inclusive para o seu complexo militar-industrial.

A triangulação aconteceu com países como Geórgia, Cazaquistão, Uzbequistão e Quirguistão. Entre março de 2022 e outubro de 2023, as exportações alemãs de automóveis e peças para o Quirguistão aumentaram 5.500%.

A Apple, por exemplo, não está mais na Rússia, mas hoje já é possível encontrar iPhones em sites de vendas on-line por preços não muito superiores aos de outros países europeus.

Desafios no longo prazo

Apesar de todas essas provas da resiliência russa, a situação pode se complicar no médio prazo, com a pressão dos altos gastos com estímulos internos e a guerra sobre a inflação. Outro ponto de atenção é a perda de produtividade, com a redução dos investimentos estrangeiros e a fuga de cérebros.

Putin afirmou que o crescimento da Rússia em 2023 se baseou “principalmente no consumo interno”, com gastos recordes na construção, na indústria, agricultura, turismo e transporte de mercadorias. O governo também tem subsidiado os juros dos financiamentos imobiliários para estimular o mercado de construção civil.

Para além do aumento do endividamento, economistas alertaram que os altos gastos podem superaquecer a economia. “Se você pisar no acelerador o máximo que puder, o motor superaquecerá mais cedo ou mais tarde e não iremos longe. Podemos avançar rapidamente, mas não por muito tempo”, disse a governadora do Banco Central da Rússia, Elvira Nabiullina, em dezembro.

A inflação passa dos 7% e para conter os preços altos, o BC russo elevou as taxas de juros para 16%.

Com a economia dependente do petróleo, quedas no preço do barril também podem afetar em cheio as receitas russas. E no longo prazo, com a transição verde, a tendência é baixista.

Empresas já enfrentam escassez de mão de obra depois de centenas de milhares de homens saíram do país para evitar o alistamento militar. Algumas estimativas apontam que 800 mil pessoas teriam emigrado, principalmente os mais jovens. Isso sem contar as pessoas em idade ativa que morreram na guerra.

Sem perspectivas de um desfecho próximo para um conflito que já dura mais de dois anos, a robustez da economia russa pode não se sustentar.

Tópicos:

PUBLICIDADE

Preencha abaixo e receba as notícias em primeira mão pelo seu e-mail

PUBLICIDADE

Nossa responsabilidade é muito grande! Cabe-nos concretizar os objetivos para os quais foi criado o jornal Diário do acre