Em artigo no Estadão, senador Alan Rick destaca novas leis contra o desperdício e cobra correção de veto presidencial

O Brasil é um gigante agroalimentar. Produzimos para abastecer o mundo, mas convivemos com um paradoxo que nos envergonha: 46 milhões de toneladas de alimentos são descartadas todos os anos, do campo à mesa, enquanto 21 milhões de brasileiros enfrentam insegurança alimentar e 3,3 milhões simplesmente não têm o que comer. É um desperdício moral, econômico e ambiental.

Foi diante desse cenário insustentável que o Congresso Nacional agiu, aprovando e o governo sancionando, duas novas leis que podem representar um divisor de águas na luta contra a fome. Não se trata apenas de caridade, mas de uma política de Estado.

A primeira lei, a Lei nº 15.224/2025, batizada de Política Nacional de Combate à Perda e ao Desperdício de Alimentos (PNCPDA), é a resposta para destravar a solidariedade. Quando assumi a relatoria do projeto (PL 2.874/2019, do Senador Ciro Nogueira), entendi que o setor produtivo responde melhor a estímulos do que a coerções.

Por isso, a lei traz incentivos claros: segurança jurídica para quem doa (responsabilização só em caso de dolo), dedução tributária e o Selo Doador de Alimentos para reconhecer boas práticas.

O objetivo é levar à mesa, com qualidade e dignidade, o alimento que iria pro lixo.

Já a segunda lei, de minha autoria (Lei nº 15.227/2025), nasceu de uma realidade amazônica: enchentes e secas que isolam comunidades inteiras. Ela garante prioridade no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para municípios em situação de calamidade. É uma medida de sobrevivência que, ao mesmo tempo, ajuda famílias vulneráveis e assegura renda para os pequenos agricultores familiares.

Essas leis representam um passo civilizatório. Menos desperdício significa menos gastos públicos com saúde, menos poluição (toda comida descartada carrega energia, água e gera resíduos) e, sobretudo, mais dignidade.

As novas regras se inserem na longa e necessária trajetória do país contra a fome, do Fome Zero ao Bolsa Família, respondendo ao desafio contemporâneo: impedir que o alimento já produzido se perca antes de chegar à mesa de quem tem fome.

No entanto, há um ponto que exige correção urgente. O veto presidencial suprimiu da Lei 15.224/2025 a ampliação dos incentivos fiscais que permitiria que pequenas e médias empresas, mercados regionais e produtores desempenhassem um papel decisivo.

A proposta inicial eleva de 2% para 5% o limite de dedução para doações, incluindo sua aplicação à CSLL e a empresas do regime de lucro presumido. Sem isso, apenas grandes corporações conseguem doar de forma significativa.

O veto mantém pequenos e médios negócios travados por barreiras tributárias.

Corrigir esse veto não é beneficiar empresas. É liberar o potencial de solidariedade da sociedade. O custo fiscal seria mínimo, mas o impacto social, gigantesco.

A fome não é uma abstração. Não se acomoda em relatórios. É dor concreta, urgência absoluta.

Pela primeira vez, o Brasil tem uma política nacional consolidada que combate diretamente o desperdício e garante socorro alimentar em calamidades.

O Parlamento mostrou que é capaz de responder à altura desse desafio. Cabe agora avançar mais um passo, derrubando o veto para liberar todo o potencial da lei.

Cada alimento que deixar de ir para o lixo e chegar à mesa de quem precisa será mais do que estatística: será vida transformada.

O Brasil precisa dessa virada. Da lógica do descarte para a lógica da solidariedade.

Se quisermos ser, de fato, uma grande nação, é pela mesa de cada brasileiro que devemos começar.

Alan Rick é Senador da República.

Tópicos:

PUBLICIDADE

Preencha abaixo e receba as notícias em primeira mão pelo seu e-mail

PUBLICIDADE

Nossa responsabilidade é muito grande! Cabe-nos concretizar os objetivos para os quais foi criado o jornal Diário do acre