Fies não foi criado no governo Lula, mas na gestão de Fernando Henrique Cardoso

A professora e ex-participante do Big Brother Brasil, Jessilane Alves, tuitou em 7 de maio de 2022 que o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) foi criado no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). A publicação foi compartilhada mais de 6,3 mil vezes e repercutiu entre políticos. O programa, na verdade, foi criado em 1999, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), embora tenha sido reformado no último ano da gestão de Lula para se tornar mais amplo.

“Lembrando que o FIES é um programa que foi criado no governo Lula e beneficia milhares de estudantes, que assim como eu, não tinham condições de arcar com a faculdade. Tenho profunda gratidão por esse programa que até hoje garante que todos possam ter acesso ao ensino superior”, diz Jessilane em sua publicação no Twitter.

Jessilane tuitou sobre a criação do Fies depois que o presidente Jair Bolsonaro compartilhou uma outra publicação sua, comemorando o pagamento de sua dívida com o Fundo, para apontar uma medida de seu governo que permite o renegociamento dos débitos.

“Assim como a Jessi, os mais de 1 milhão de estudantes inadimplentes com contrato firmado até 2017 no FIES também têm hoje a oportunidade de quitar suas dívidas com até 92% de desconto graças à MP1090 que lançamos no final de 2021”, afirmou o mandatário.

Mas Jessilane, que recebeu uma mensagem de Lula, errou em sua resposta a Bolsonaro.

Quando o Fies foi criado?

O Fies foi criado em 27 de maio de 1999, na gestão Fernando Henrique Cardoso.

O objetivo do Fies – então nomeado de Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior – é o de conceder crédito aos estudantes regularmente matriculados nos cursos superiores de instituições de ensino privadas.

Depois de afirmar erroneamente no Twitter que o Fies foi criado em seu governo, Lula se corrigiu, admitindo que o Fies foi criado anteriormente, mas que exigia fiador:

No site do PT também consta a informação de que o programa foi criado em 1999.

No entanto, a política de crédito estudantil é anterior ao Fies. O financiamento do ensino superior teve início em 1976, no governo Geisel (1974-1979), com o Programa de Crédito Educativo (PCE Creduc), também criado para facilitar o ingresso de estudantes de baixa renda nas universidades.

Devido à inadimplência e à escassez de recursos, entre outros fatores, o PCE Creduc entrou em crise, sendo substituído pelo Fies.

Para Marcelo Neri, pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “o Fies é um bom exemplo de um programa que começou no governo Fernando Henrique Cardoso e que persiste até hoje, assim como o Bolsa Escola [programa de transferência de renda de 2001 que antecedeu o Bolsa Família, de 2003] e o CrediAmigo”.

Reformas

O Fies passou por algumas reformulações ao longo dos anos, em resposta a diferentes desafios. “O Fies faz parte de um conjunto de ações voltadas para o ensino superior, mas ele mudou bastante ao longo do tempo”, disse Neri à AFP.

Neste artigo publicado em 2018 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os pesquisadores Kalinca Becker e Mário Jorge Mendonça dividem o programa em três fases. A primeira, de 2001 a 2009, se caracterizaria “pela consolidação da política, com clara preocupação com a inadimplência e com o equilíbrio fiscal”.

Na segunda, de 2010 a 2014, “verifica-se um afrouxamento nas regras de concessão do financiamento e um aumento das facilidades de pagamento do empréstimo, como menor taxa de juros e maior prazo para amortização”.

Em 15 janeiro de 2010, Lula cortou pela metade os juros pagos pelos estudantes no programa de financiamento estudantil. Na época, esses juros cobrados pelo Fies eram mais baixos do que os da Selic, a taxa básica da economia definida pelo Banco Central.

Em 20 de outubro de 2010, também foi anunciado o fim da necessidade de fiador e a prorrogação do prazo de quitação de dívidas.

Essas medidas resultaram em uma ampliação do programa. Em seu artigo, Becker e Mendonça indicaram que “as matrículas do Fies passaram de aproximadamente 5% do total das matrículas na rede privada em 2009 para 39% em 2015”.

Talvez essas medidas de flexibilização expliquem por que algumas pessoas atribuem equivocadamente a Lula a criação do Fies, opinou Neri:

“O Lula é o melhor garoto de marketing dos seus programas. Ele fez isso com o Bolsa Família, que não foi uma invenção dele, mas que ele sem dúvida ‘leva a culpa’, no bom sentido”.

O pesquisador da FGV ressaltou, entretanto, que “o programa seria mais sustentável se fosse menos subsidiado”. Becker e Mendonça também apontaram que o crescimento do Fies ocorreu “em um ritmo incompatível com a disponibilidade de recursos no médio e longo prazo”.

Nesse contexto, em 2015, no governo de Dilma Rousseff (2011-2016), o Fies entrou em uma nova fase, na qual foram implementadas mudanças com o objetivo de adequar as regras às restrições fiscais vigentes.

“A partir do segundo semestre de 2015, os financiamentos concedidos com recursos do Fies passaram a ter taxa de juros de 6,5% ao ano (a.a.). Os critérios de elegibilidade também se tornaram mais restritivos”, apontam Becker e Mendonça no artigo.

Além do reajuste nos juros do financiamento, a pasta da Educação promoveu outras restrições no acesso ao programa, como a diminuição do limite de renda dos beneficiados, o limite de vagas e a redução do prazo de parcelamento da dívida.

Em dezembro de 2017, no governo de Michel Temer (2016-2018), implementou-se uma ampla reforma no programa, que chegou a ser chamado de “Novo Fies”.

O programa reformulado previu a oferta de 100 mil vagas a juro zero para estudantes mais carentes, enquanto as demais vagas passaram a ser oferecidas a juros variáveis, estabelecidos não mais pelo governo, mas pelo banco responsável pelo financiamento.

Além disso, o Novo Fies acabou com o prazo de carência de 18 meses para o pagamento da dívida, ficando estabelecida a obrigação em começar a quitá-la no mês seguinte ao fim da graduação.

Em maio de 2018, o portal G1 mostrou que o processo de mudanças pelas quais o programa estudantil passou desde de 2015 resultou em uma queda significativa no número de novos contratos de financiamento.

Diante das inadimplências, o governo Bolsonaro anunciou em janeiro de 2022 a possibilidade de renegociação das dívidas dos estudantes que tenham assinado contrato do Fies até o segundo semestre de 2017.

Da redação Diário do Acre, com informações da AFP

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