Um dos mais “inadiáveis compromissos” do governo Lula anunciados durante a campanha eleitoral era regulamentar e garantir proteção aos trabalhadores autônomos por meio de aplicativos.
Mas as propostas que vieram com esse objetivo estão emperradas, menos por falta de diálogo e esclarecimento, como pensa equivocadamente o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e mais porque até agora o governo Lula, amarrado ao passado, não vem entendendo como funcionam as novas dinâmicas do trabalho.
A proposta apresentada pelo governo (apenas para os motoristas de aplicativo) estabelece pagamento mínimo de R$ 32,09 por hora trabalhada, alíquota de contribuição previdenciária de 27,5% (dos quais, 7,5% correspondem à parcela devida pelos trabalhadores), jornada máxima de 12 horas e representação sindical. Marinho pretendia aprovação do projeto em regime de urgência. Mas, nisso, foi atropelado pelos parlamentares, que se recusaram a furar essa fila.
Um dos equívocos do ministro é achar que as resistências e o que chama de “gritaria” contra essa tentativa de regulamentação se devem apenas ao desconhecimento da matéria por parte dos políticos e dos trabalhadores, a fake news e a falta de explicações por parte do governo. Essa justificativa já revela, por si só, a postura paternalista do governo, cujo objetivo prioritário é enfiar essa categoria de trabalhadores na CLT, como se isso fosse do interesse deles.
Esses trabalhadores não querem esse enquadramento. Dão prioridade à flexibilização, à autonomia e à valorização do espírito empreendedor, e não a vínculos trabalhistas. Ao impor a sindicalização a toda essa categoria, como vem advertindo o especialista em Economia do Trabalho, José Pastore, “o governo Lula pretende regular uma atividade do século 21 com regras do século passado”.
Como destaca o professor e pesquisador Leandro Fontes, do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o empreendedorismo ganhou tração, não só como estratégia de sustento das famílias, mas, também, como forma de buscar sentido e propósito para o trabalho e para a própria vida, independentemente das condições laborais e de remuneração.
A questão central não é nem regulamentar as atividades intermediadas pelos atuais aplicativos. Dentro de mais algum tempo eles podem ser substituídos por outros mecanismos que, outra vez, necessitarão de novas regulamentações. Sabe-se lá os impactos que o uso da Inteligência Artificial deve causar no mercado de trabalho.
Duas das maiores categorias de trabalhadores no passado, a dos comerciários e a dos bancários, estão agora ameaçadas de extinção, como o mico-leão-dourado. E não é só pelo uso massivo da tecnologia.
Por enquanto, não há soluções simples para problemas desse tipo, nem por aqui nem no resto do mundo. E não deixa a descoberto apenas os trabalhadores de aplicativos.
Como lembra o professor Leandro Fontes, milhões de pessoas contribuem com seu trabalho para o desenvolvimento do País, no chamado mercado informal, e também não desfrutam de nenhuma proteção trabalhista nem de garantia de aposentadoria no futuro por não contribuir com a Previdência.
“Essas regulamentações são bem-vindas, mas se mostram insuficientes como vem sendo discutidas. É preciso pensar formas de proteção para o trabalhador que não estejam diretamente relacionadas ao seu vínculo de emprego”, reforça o pesquisador.
E, no entanto, o governo Lula não vem demonstrando a mesma preocupação com esses trabalhadores. /COM PABLO SANTANA