J. R. Guzzo: ‘O desastroso comício de R$ 100 mil’

Imaginem por uns instantes, só para se ter a ideia de um cataclisma de proporções interplanetárias, o que aconteceria neste país se descobrissem que uma dessas passeatas de motocicleta que o presidente Jair Bolsonaro vive fazendo por aí tivesse recebido uma contribuição de R$ 100 mil saída de algum cofre público. É melhor nem pensar. No mínimo, ele seria preso com tornozeleira pelo ministro Alexandre de Moraes, sua chapa seria declarada inelegível pelo ministro Fachin e as instituições entrariam imediatamente em transe. Mas meter a mão em dinheiro do Erário, no Brasil de hoje, só é problema se for coisa da direita; se for da esquerda, não há problema nenhum. Que sossego, não? Ficam salvas as instituições.

O ex-presidente Lula acaba de fazer exatamente isso em sua campanha para voltar à Presidência da República — e é claro que continua sendo tratado como um estadista que vai salvar o Brasil de um futuro negro. Parece brincadeira: por algum tipo de compulsão incontrolável, nem Lula nem o PT conseguem ficar mais do que cinco minutos longe de algum tipo de roubalheira. Não chega o que já aconteceu? Não chega. Eis eles aí outra vez: no desastroso comício do dia 1º de maio no Pacaembu, a cantora e militante petista Daniela Mercury recebeu R$ 100 mil da prefeitura de São Paulo para fazer o show com o qual os organizadores esperavam trazer algum público para aplaudir o candidato. Não veio ninguém, como se constatou — nem para ouvir Lula, nem para ouvir Daniela. Mas os R$ 100 mil já voaram.

A prefeitura de São Paulo não tem onde cair morta; passa por um dos piores momentos de abandono da sua história, calamidade que, segundo o prefeito, se deve à falta de dinheiro. Como foi doar R$ 100 mil para Daniela Mercury, se não tem recurso para consertar um sinal de trânsito quebrado? Mesmo que houvesse dinheiro sobrando, uma prefeitura municipal jamais poderia pagar qualquer despesa da campanha eleitoral de um político, seja ele quem for. Esse dinheiro não é de Lula, nem do PT, nem da cantora. É verba pública. Se não for utilizado para prover necessidades do morador e pagador de impostos do município de São Paulo, estará sendo roubado. É crime.

A campanha de Lula promete. Seus organizadores estão deixando claro, em atitudes como a dessa mamata em torno de Daniela Mercury, que os bilhões do “Fundo Eleitoral” não vão bastar para o tamanho da fome. As coisas ainda nem começaram direito, e já estão assaltando a prefeitura de São Paulo, propriedade dos parceiros do MDB-PSDB. Onde vai se chegar, até outubro?

J.R. Guzzo

*J.R. Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.

Por J.R. Guzzo, publicado no jornal Folha de S. Paulo em 04 maio de 2022

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