O Supremo Tribuna Federal, e em consequência direta o Poder Judiciário brasileiro como um todo, vive o pior momento de sua história. Se esse momento de treva não é agora, quando poderia ter sido? Alguém é capaz de citar outro? Fala-se, talvez, da época passada sob o regime militar. Então, por força do AI-5, a Justiça brasileira não podia apreciar atos do Poder Executivo – o que é a negação das ideias de Justiça independente, igual para todos e fiel à lei, fundamentais para as democracias. Mas agora a situação é flagrantemente pior.
Naquela ocasião, o Judiciário não cumpria a lei porque era forçado a não cumprir pelo poder armado dos militares, o único existente. Hoje, num caso sem precedentes na história do país, é o próprio STF quem tomou a iniciativa de romper com as leis e a Constituição, ao criar em Brasília um comitê de salvação pública que deu poderes absolutos a si próprio, tanto jurídicos como políticos, e passou a governar ilegalmente o Brasil.
Não pode restar nenhuma dúvida sobre o escândalo a céu aberto que está sendo a conduta do STF.
O STF viola de maneira frontal e pública as leis em vigor. Reprime o que considera “errado”, e não o que está nos textos legais, conduzindo pelo menos dois inquéritos perpétuos para punir, segundo diz, “notícias falsas”, “milícias digitais” e “atos antidemocráticos” – atividades que não existem como crime e dependem exclusivamente da interpretação pessoal dos ministros para serem reprimidas. Suprime direitos civis dos cidadãos, a começar pelo direito de defesa. Transformou-se numa delegacia nacional de polícia, que vai à casa dos brasileiros às 6 horas da manhã para “batidas”, apreende celulares, passaportes e objetos pessoais. Prende pessoas. Bloqueia contas bancárias. Quebra o sigilo de suas comunicações privadas. Proíbe que se manifestem nas redes sociais. Anula leis aprovadas legitimamente pelo Congresso Nacional. Trata-se, quando procede assim, de uma Justiça de ditadura; um instrumento do Estado para perseguir inimigos políticos, e não um sistema que aplica as leis do país para garantir os direitos e impor os deveres dos cidadãos.
Nada representa essa aberração tão bem, no momento, quanto os “processos de Brasília” – a conduta ilegal dos ministros do STF na investigação e no julgamento dos atos de vandalismo e outras violências cometidos no dia 8 de janeiro contra os edifícios dos Três Poderes. A violação das leis por parte da “Suprema Corte”, neste episódio, já vem sendo demonstrada há quatro meses – não, é claro, pela maior parte da mídia, que sonega informações e apoia a conduta dos ministros. Mas os protestos contra a ilegalidade acabam de ganhar uma nova dimensão.
O STF viola de maneira frontal e pública as leis em vigor. Reprime o que considera “errado”, e não o que está nos textos legais.
O advogado Antônio Mariz, e outros colegas, assinaram um artigo no jornal O Estado de S.Paulo no qual expõem com serenidade, e sem qualquer sombra de repreensão política ao STF, as profundas falhas jurídicas que estão ocorrendo nos processos do dia 8 de janeiro. Mariz aponta, entre as mais indiscutíveis violações à lei, a falta da descrição detalhada e individual das condutas dos acusados – um mandamento elementar do processo penal, exigido por qualquer regime democrático do mundo civilizado.
Critica os julgamentos por “lotes”, e não pessoa por pessoa, como manda a lei. Lamenta os julgamentos no mundo dos “bytes”, em “sessões virtuais” que nada têm a ver com a operação normal de um sistema de justiça. Mariz lamenta, especialmente, o brutal cerceamento ao direito de defesa dos réus que o STF impôs nos seus inquéritos. Cita, a respeito, um óbvio despropósito: os advogados só têm cinco minutos para fazer a defesa oral de seus clientes na manifestação do agravo. “Quem consegue promover a demonstração de tese, ainda que simples, em cinco minutos?”, pergunta ele. “Ninguém!”
O problema, para o STF, a esquerda que clama por “cadeia” e uma imprensa que aplaude o pisoteio das leis para “salvar a democracia”, é a condição dos autores do artigo. Mariz é um dos mais destacados participantes do grupo de advogados Prerrogativas, que se colocou publicamente a favor de Lula na última campanha eleitoral; também é conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, e um crítico intransigente da Operação Lava Jato.
Vai ser impossível, para o STF e seu sistema de apoio, dizer que o advogado é um mero descontente “bolsonarista” ressentido, ou uma voz da “extrema direita”, ou culpado pelo pecado mortal do antipetismo. Nem ele e nem os seus colegas são nada disso. Se estão, até mesmo eles, reclamando da ilegalidade maciça dos “processos de Brasília”, não pode restar nenhuma dúvida sobre o escândalo a céu aberto que está sendo a conduta do STF.