Na última quinta-feira, 30, Lula anunciou claramente que “não tem [sic] outra medida fiscal”.A declaração sepulta de vez “as fantasias da equipe econômica, criadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que haveria medidas adicionais para conter gastos”, diz um editorial do jornal O Estado de S. Paulo publicado neste sábado, 1º.
A sinceridade do presidente tanto constrangeu Haddad, para quem o pacote fiscal já apresentado “não é suficiente”, quanto isola o novo chefe do Banco Central (BC). Gabriel Galípolo, ao que tudo indica, terá de levar em conta a “evidente falta de disposição de seu padrinho”, segundo o Estadão, para equilibrar as contas e facilitar o controle da inflação.
“Como já vinha acontecendo na gestão de Roberto Campos Neto, o BC seguirá sozinho na briga com a inflação, já que o governo decididamente não quer colaborar.”
Apesar da recusa em fazer ajustes fiscais, Lula se esforça para mostrar otimismo confiante quanto ao quadro fiscal do país, prossegue o editorial. O presidente chegou a comemorar o registro de um déficit fiscal 0,09% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, chamando o resultado de “déficit zero”. Ele ainda disse que o número “não é 2,5% como recebemos do governo anterior”.
De acordo com o Estadão, há ao menos dois erros nessa crença de Lula. O primeiro é que o cálculo mencionado pelo petista desconsidera despesas com o combate a enchentes no Rio Grande do Sul e a incêndios na Amazônia e no Pantanal.
Se esses gastos forem contabilizados, o rombo sobe de R$ 11 bilhões para R$ 43 bilhões, ou 0,36% do PIB. Acima, portanto, do limite inferior da meta, que permitia um déficit de até 0,25% do PIB.
O segundo erro “é que seria injusto culpar o ex-presidente Jair Bolsonaro pelo déficit que Lula da Silva diz ter herdado”. O jornal diz que Bolsonaro “nunca foi um exemplo na área fiscal”, mas reconhece o fato de que seu governo deixou um superávit de R$ 54 bilhões nas contas públicas em 2022.
O resultado no governo anterior teria sido negativo caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios — a qual o Estadão chama de “calote” — não tivesse sido aprovada. O jornal classificou a emenda como “uma manobra para ampliar gastos sem contabilizá-los na meta”.
Entretanto, o que elevou o déficit para R$ 228,5 bilhões em 2023 foi a PEC da Transição, que somou-se ao pagamento dos precatórios parcelados pela emenda do governo Bolsonaro.
“Dito isso, a redução do rombo de 2023 para o de 2024 é falaciosa”, conclui o Estadão. Afinal, não seria factível diminuir o déficit em cerca de R$ 200 bilhões em apenas um ano e sem qualquer medida mais dura. Até agora, “o que houve foi uma ginástica financeira para jogar receitas e despesas de um ano para outro para piorar o resultado de 2023 e assim melhorar o de 2024”.
Lula quer fazer parecer que o arcabouço fiscal está sendo cumprido
O grande problema é que Lula parece realmente acreditar que fez muito na área fiscal e que não será preciso fazer mais nada nesse campo. “Os petistas costumam torturar os números para fazê-los exprimir o que lhes convém”, prossegue o editorial. “Em outras palavras, o que importa, para o petista, é parecer que o arcabouço fiscal está sendo cumprido.”
Assim, não importa que vários gastos tenham sido contabilizados fora da meta, como o Pé-de-Meia, que as receitas que engordaram o caixa do Tesouro tenham sido extraordinárias ou que a trajetória da dívida pública esteja longe da estabilidade que a âncora fiscal deveria proporcionar.
Tampouco importa que as despesas com Previdência tenham sido quase R$ 30 bilhões maiores do que o governo estimava no ano passado, nem que os gastos com o Benefício de Prestação Continuada tenham sido subestimados em R$ 7,6 bilhões. Não importa que os dispêndios com as duas seções tenham tido aumento real de 3,8% e de 14,9%, bem acima do limite do arcabouço fiscal.
“Lula acha que só seu palavrório é suficiente para comprovar seu compromisso com a responsabilidade fiscal”, afirma o Estadão. Será nesses termos, e de olho nas eleições de 2026, que o petista diz que quer entregar “o menor déficit possível”, o que, segundo o editorial, “literalmente significa qualquer coisa”.