O que no ano passado se mostrou uma divergência intransponível, neste, a relação do presidente Javier Milei, da Argentina, com o Mercosul se mostrou mais aberta. Crítico a respeito da condução do bloco e dos conceitos de governos de esquerda, como o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Milei nem compareceu à cúpula do grupo em 2024, em Assunção. Só o fez no início do ano, na Argentina.
Neste ano, porém, ele deu as caras fora de seu país e, em seu discurso, no sábado 20, pareceu contribuir para que alguns gargalos que tornam os negócios lentos e muito restritos sejam revistos.
Sob os olhares de todos os presidentes do Mercosul, reunidos em Foz do Iguaçu, Milei fez uma análise sincera a respeito de como ele vê o bloco. Desta vez, evitou discursos de rompimento efetivo, preferindo dar sugestões produtivas para que todos saiam ganhando. E, se os presidentes de esquerda deixarem seus radicalismos de lado, utilizarão a fala para aparar as arestas, sem apego à ideologia.
“Não há mercado comum, não há livre circulação efetiva, não há coordenação macroeconômica, não há harmonização normativa real, não há aumento significativo do comércio interno, não há abertura suficiente para o mundo. Sim, há uma burocracia excessiva e ineficaz que se expandiu sobre si mesma.”
A fala de Milei tem sentido se for levado em conta que o comércio intrabloco no Mercosul, apesar de ter crescido, não passa de 20% do total comercializado. O governo brasileiro, no momento em que ocupava a presidência, tentou desburocratizar, com uma alteração no Regime de Origem do Mercosul (ROM), em 2024.
As aduanas dos países importadores passaram a poder fazer, se considerarem necessárias, consultas simples diretamente aos produtores ou exportadores, sem a necessidade de abertura de um procedimento formal de investigação de origem. Isso, em tese, facilitaria a liberação das operações comerciais sob dúvida com maior agilidade.
Milei pede abertura e eficiência do Mercosul,
Tal novidade, no entanto, não tem sido suficiente para destravar algumas negociações. A tarifa em comum obrigatoriamente protege a indústria interna de todos os países membros, mas cria distorções, segundo críticos como Milei.
Produtos que poderiam ser importados de forma mais barata de fora do bloco têm preços inflados. Isso afeta a competitividade interna, inclusive de empresas brasileiras e argentinas que querem comprar insumos do outro país com mais liberdade.
Se, por exemplo, uma fábrica argentina quer importar um componente brasileiro que não está bem coberto pelo acordo, pode ter que pagar tarifas extras ou enfrentar burocracia, mesmo que a produção fosse vantajosa para ambos.
“Por fim, queridos colegas, se algo a experiência nos ensinou é que protecionismo, burocracia e complacência nos afundaram na estagnação”, ressaltou Milei, pressionando por mudanças.
“A Argentina decidiu romper com esse modelo falido e avançar para ser um país onde produzir, comercializar e competir não depende do capricho do Estado nem de regulações absurdas. Se quisermos prosperidade, precisamos de coragem para deixar receitas falidas para trás, cortar erros do passado e avançar para um esquema aberto, eficiente e integrado globalmente.”
Enquanto seus colegas ouviam calados, Milei deixou clara a sua posição, agora amparado no fortalecimento da direita liberal no continente. José Antonio Kast acabou de ser eleito no Chile e já acena com uma maior abertura de mercado para a Argentina. Milei considera isso saudável e sugere que o Mercosul dê maior liberdade de negociação aos seus membros. Pelo próprio bem do bloco.






