Mulheres no Agro: protagonismo supera barreiras em setor dominado por homens

Que o mundo do agronegócio é dominado majoritariamente por homens, todo mundo sabe. Mas esse cenário tem mudado. Protagonistas, mulheres no campo já são responsáveis por 34% dos cargos gerenciais no agronegócio brasileiro, de acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas.

Esta semana, o governo de SP divulgou dados de um estudo feito pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA): em atividades ligadas ao agronegócio brasileiro, a força feminina soma mais de 10 milhões.

Piracicaba, uma cidade referência no agro no Brasil, há muitas mulheres que estão à frente das lavouras e da pecuária. A agricultora Sandra Regina Mazzero Grandis, de 61 anos, e a bióloga Adriana Grandis, 41, são exemplos de protagonismo feminino no campo.

Atuam no ramo da cana-de-açúcar. “Nasci no sítio em Piracicaba, fui criada no meio do canavial. Meus pais e avós sempre foram agricultores e plantavam inicialmente arroz, feijão, tinham umas vacas para leite, porcos, galinhas e também plantavam cana para fornecer para a usina. Sempre fizemos parte de uma agricultura familiar. Sempre fui na roça ajudar em atividades pontuais, quando era criança lembro-me de ajudar a bater feijão e arroz no terreiro”, conta Adriana, que representa a quarta geração de sua família no ramo da cana.

Além de bióloga, Adriana também é mestre e doutora em ciências, especialista em fisiologia de plantas, pesquisadora da USP como pós doutoranda e trabalha com biotecnologia de cana de açúcar. Atua, ainda, junto à Coplacana no núcleo de fortalecimento de políticas voltadas às mulheres.

Veja entrevista ao JP, onde ela conta sua trajetória junto com a mãe:

1) Como foi seu primeiro contato com o agronegócio? Conte a história da sua família.
“Nasci no sitio em Piracicaba, fui criada no meio do canavial. Meus pais e avós sempre foram agricultores e plantavam inicialmente arroz, feijão, tinham umas vacas para leite, porcos, galinhas e também plantavam cana para fornecer para a usina. Sempre fizemos parte de uma agricultura familiar. Sempre fui na roça ajudar em atividades pontuais, quando era criança lembro-me de ajudar a bater feijão e arroz no terreiro (técnica que solta os grãos da planta). Quando maior eu e meu irmão cuidávamos da casa e do meu avô paterno para minha mãe ir na roça. Ela auxiliava no carregamento de cana, buscava os empregados para cortar cana e media a cana. A noite ela ajudava meu pai no carregamento, assim como muitas vezes eu ia ajudar a amarrar a carga. Na época em que era necessário queimar a cana, sempre íamos ajudar, era perigoso e difícil de fazer. Sempre fomos ativos na cooperativa dos plantadores de cana (Coplacana) e eu cresci indo no banco da Av. Armando Salles de Oliveira e sentando no balcão do banco com as funcionárias enquanto minha mãe fazia a administração das contas da roça. Até hoje se necessário e quando estou em Piracicaba, vou ajudar nos afazeres da lavoura.”

2) Há quanto tempo dia família é o do agro?
“Minha família está no agro desde que meus bisavôs vieram da Itália. Estou na quarta geração de produtores de cana, tanto os bisavôs maternos quanto os paternos produziram cana.”

3) Como é a mulher hoje nas lavouras? O papel que ela desenvolve mudou? 
“Na minha vivência, meu pai sempre favoreceu e convidou a minha mãe para trabalhar e ajudar na lavoura. Inicialmente como administradora do negócio e depois de problemas com sociedade familiar, passou a ir frequentemente na roça para substituir o cunhado e sócio de meu pai que não atuava no processo. Foram tempos difíceis porque a mulher antes era a provedora do lar que cuidava dos filhos. Lembro da minha mãe ir na roça quando eu tinha entre 9 e 10 anos. Eu ajudava a cuidar do meu irmão quando ela estava na roça e eu não estava na escola. Ela fazia horários diferentes para poder ajudar tanto nos afazeres domésticos quanto na lavoura, acordava as 4 da manhã. Era uma correria. Depois de desfeita a sociedade, meu pai comprou toda a parte da lavoura e maquinário e assim, minha mãe ficava integralmente dedicada a lavoura e eu e meu irmão nos dividíamos em cuidar da casa e do meu avô, e também ir para a escola. Acho que foi ótimo a oportunidade de poder ajudar direta ou indiretamente para o progresso que tivemos em nossa família, o quanto foi duro ter que pagar as dividas, aumentar a lavoura e ao mesmo tempo tocar as nossas vidas. Eu e minha mãe aprendemos muito como mulher, como se posicionar em uma sociedade machista, principalmente a do agro. Eu e meu pai insistimos para minha mãe começar a dar palpites em reuniões da Cooperativa, ser vista e conhecida e fazer parte do todo. Estava no sangue dela isso. Eu participava das reuniões, mas sem voz de palavra, pois somente cooperados podem falar. No começo sempre acharam que a gente era maluca, e olhavam a gente na reunião como estranhas e não bem vindas, que alí era lugar de homem ir e mulher não podia palpitar nos negócios. Contudo, meu pai sempre nos favoreceu e nos apoiou, e continuamos indo as reuniões e também no trabalho da lavoura. Teve momentos que eu e minha mãe fomos brigar na porta da usina pelas filas que duravam dias e impedia a entrega de cana pelos fornecedores. Um certo dia, fazia 2 dias que os caminhões não saiam do lugar, fomos eu e minha mãe na frente da usina, com uma camionete para fechar as portas da usina, caso não colocassem nossos caminhões para dentro para a entrega de cana. Foi uma vitória, resolvemos o problema de dias em que os homens lá parados o dia todo não conseguiram resolver. Após esse episódio, muita coisa mudou no sistema de entrega de cana. Não acho que tenha se resolvido, mas melhorou. Acho que o protagonismo da mulher hoje é ter voz, é ter opinião, é poder participar e ser respeitada. Apesar de muita gente ainda achar que lugar de mulher é no fogão, a gente tem se superado a cada dia e motivado outras mulheres a falar também.”

4) Neste Dia Internacional da Mulher, temos o que comemorar?
“Temos que comemorar a nossa voz na sociedade. Temos voz, temos direitos e temos deveres também. No aspecto do agro temos ganhado destaque e protagonismo no sentido de poder contribuir para o negocio. Vejo mulheres tocando o negócio sozinhas, vejo mulheres operando uma maquina ou caminhão gigante, graças a tecnologia que possibilita esses feitos, vejo mulheres no campo dando uma visão diferente de negocio, vejo mulheres pesquisadoras ocupando destaque na ciência mundial. É isso que importa. A participação na sociedade e ter voz.”

5) Fale da relação com sua mãe, conte a história dela.
“Minha mãe sempre foi para mim um exemplo de garra, perseverança, teimosia e de fazer dar certo. Eu aprendi com ela que não tem algo que a gente não queira, que a gente não consiga. Se quer que eu dirija um trator eu vou lá e aprendo, se querem que eu entenda como se cultiva uma lavoura, eu vou lá e aprendo, se eu quero trocar uma lâmpada, eu vou lá e faço. Acho que é isso que ela me ensinou, a não me desvalorizar porque sou mulher, que se eu tiver interesse eu vou la, aprendo e faço. Ela me ensinou a não ter medo de aprender e do novo. Acho que é por isso que estou, onde estou e não me sinto frágil. Ela me ensinou que ser mulher não é um problema e sim uma solução. Isso foi muito importante para meu desenvolvimento e minha postura perante as coisas.”

6) Fale sobre a atuação da Coplacana junto ao protagonismo da mulher
“Eu tenho acompanhado desde criança toda a evolução que a Coplacana fez, ao longo de 4 décadas. Desde meu avô (Orlando Mazzero), pai de minha mãe, que falava em reuniões e opinava sobre o cooperativismo, fui aprendendo como é viver em uma cooperativa e quais são os objetivos dela. Vejo o quanto mudou de lá para cá, onde minha mãe tem um papel importante nisso, ela foi uma das primeiras mulheres a levantar e falar em uma reunião. Foi calada a principio porque era mulher de um cooperado. No dia que ela ouviu isso, foi na associação para resolver o problema e se cadastrou como cooperada para poder ter voz ativa e falar o que pensava. Nesse momento, em que ela ganha voz ela passa a opinar e poder ajudar a todos para um bem comum. A cooperativa acolheu da forma que conseguia e compreendia o protagonismo da mulher, naquele momento. Acredito que ela tenha contribuído para iniciar as atividades de integração das mulheres no mundo da cana de açúcar. Lembro muito bem que outras mulheres começaram a aparecer, falar em reuniões, procurar a minha mãe. A partir daí temos visto a cada dia mais mulheres no setor e fazendo acontecer. Por volta de 2010-2015, as mulheres começam a ter mais benefícios ou a fazerem parte do dia a dia da cooperativa. Acho que o Núcleo das Mulheres é criado em 2021 sendo reflexo da luta dessas mulheres do passado. Que lutaram por terem palavra e por se sentirem incluídas. Eu acredito no potencial desse grupo que só terá a crescer e a capacitar as mulheres do meio rural.”

7) Qual a importância de Piracicaba para o agronegócio do Brasil?
“Piracicaba é o polo de educação, ciência e tecnologia do agro. Temos umas das melhores Universidades do mundo (Top 100) com o curso de Agronomia entre os top 5 do mundo. O potencial do Agro no Brasil, foi vislumbrado pelo visionário Luiz de Queiróz quando fundou a Esalq, pois ele sabia que a educação seria o caminho para o sucesso do nosso país. Por isso Piracicaba é sim protagonista, pois ajuda a formar os melhores agrônomos e pesquisadores do país e do mundo. Abriga um polo tecnológico no agro, onde há varias startups e empresas que movimentam o agro. Foi pioneira em montar estrutura industrial para usinas de cana de açúcar e enzimas de fermentação. A gente só pode se orgulhar desses progressos e como produtora de cana temos a nossa Cooperativa dos Plantadores de cana de Piracicaba (Coplacana), o sindicato (Afocapi) o hospital dos fornecedores de cana (HFC) de excelência que atende toda a região e também temos um sistema bancário eficiente (SicoobCocre). Isso só me orgulha de poder fazer parte disto. Somos uma cooperativa forte, com a ajuda das pessoas que movimentam a agricultura na cidade.”

8) A Coplacana tem hoje o número de mulheres que atuam no setor?
“Neste momento, estamos (eu e um grupo de mulheres ativas em nossa cooperativa) trabalhando para contabilizar essas mulheres e entender o que elas fazem, o que anseiam e o que elas podem nos ajudar. Apesar das mulheres estarem presentes no dia a dia da roça e da cooperativa, elas ainda não são completamente convencidas que fazem parte do todo, queremos promover um pertencimento a elas. Estamos trabalhando desde 2021 (que é quando o Nucleo é criado) para encontrar e engajar essas mulheres. O Núcleo Mulher Coplacana surge para conseguir reunir essas mulheres e despertar o interesse sobre o cooperativismo relacionado ao Agro. As mulheres mais próximas a matriz da Coplacana têm feito diversas atividades nesses últimos anos, mas agora com um núcleo mais sólido estamos numa fase de senso demográfico dessas mulheres entre a matriz e as filiais da Coplacana. Queremos conhece-las, saber mais do seu dia a dia e do que elas podem nos ensinar e também o que podemos oferecer a elas.”

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