Nizan Guanaes: ‘O trabalho pode ser flex; a cultura, não’

Imagine você contratar uma pessoa para trabalhar na sua empresa pelo Zoom. Ela está chegando na empresa, primeiro dia, e o que ela enxerga é um monte de carinhas na tela, trocando mensagens pelo chat, compartilhando planilhas e docs. O que se informa ao novo colaborador sobre a empresa? Nessa situação, quase nada.

A tela é fria, o sucesso é quente. Estratégias e tecnologias mudam com velocidade. Mas há uma coisa que tem outro tempo, ou está fora do tempo, e distante das telas e planilhas: a cultura.

Construir cultura neste mundo tecnológico é um desafio. E a cultura é a alma da empresa, o seu DNA. Ela é necessária porque, sem a alma, sobra uma estrutura que não sente. Sem emoção, não tem tesão. O que faz a empresa sentir, o que a leva para frente, é a cultura.

Jeff Bezos criou a Amazon cultivando a cultura da Amazon. É possível ver no YouTube vídeos dele moço, comandando uma empresa ainda deficitária, diante de jornalistas céticos com seus primeiros resultados. Mas é possível ver também a extrema confiança de Bezos em seu modo de falar, na sua postura. E isso veio da cultura empresarial que ele tinha na cabeça: uma Amazon com visão de longo prazo, centrada no cliente, na eficiência, nos dados e na inovação.

O segredo não é (só) a cultura estar bem delineada na cabeça do fundador. É como essa cultura é transmitida ao time. Para isso, é preciso uma estratégia efetiva de comunicação. A cultura precisa ser projetada para dentro e para fora. Fabricio Bloisi, CEO e fundador do iFood, diz de maneira clara: “Eu cuido das pessoas, e as pessoas cuidam da empresa”.

As pessoas falam muito em sair da sua zona de conforto, mas querem trabalhar de casa, uma zona de conforto. É muito difícil construir a cultura da empresa com as pessoas trabalhando só de casa. Aí o home office acaba sendo “home home”. Não tem office na casa das pessoas. O office entra pelo Zoom, pelo Teams, mas sai na hora que o call acaba. Não tem corredor, não tem cafezinho, não tem subtexto.

Eu sei que falar essas coisas não é sexy. Os jovens querem trabalhar remoto da praia, do exterior. Isso é um avanço. Eu não estou defendendo o fim da semana flex. Estou defendendo o fim da cultura flex. Todo mundo vai voltar ao trabalho presencial de segunda a sexta? Não. Mas eu estou construindo um escritório porque nem eu nem as minhas pessoas aguentávamos mais trabalhar só por Zoom.

Estive em Porto Alegre para palestrar no South Summit e comentei essas coisas por lá porque o Rio Grande do Sul, como a Bahia, tem uma cultura muito forte. O futuro do Rio Grande do Sul está nesse seu DNA, nessa cultura abarcante. Assim como Salvador, que vive uma epifania cultural. A cidade pensa com sua cabeça, não se curva aos grandes centros.

O agro também. O agronegócio tem uma forma de pensar que vem das pessoas que trabalham no agro e que é distinta da forma de pensar do empresário urbano. Isso é cultura. Não é à toa que a espetacular ascendência econômica do agro coincide com a espetacular ascendência da cultura sertaneja, moderada pelo pop, porque o agro agora é pop.

Steve Jobs dizia que as grandes coisas não são feitas por uma pessoa, mas por um time. A cola que une o time vencedor da Apple é a sua cultura. Ela segue viva e forte mesmo depois da morte de Jobs. Quando ele foi afastado da Apple, nos anos 1990, a companhia quase afundou. Quando ele voltou, pediu uma campanha que expressasse a alma da empresa, a sua verdadeira cultura. Sugeriram “We are Back”. Todos aprovaram, menos ele. Uma concorrência foi lançada, e a campanha escolhida foi a inesquecível “Think Different”, que era uma mensagem para fora e para dentro. Ela exibia pessoas geniais como Picasso, Einstein, Callas, Gandhi, Miles Davis e a maçã colorida da Apple com o slogan “Pense Diferente”. Esse slogan é a cultura da Apple. Foi um sucesso.

Então, CMOs e CEOs, fica a pergunta: Quem está cuidando da cultura da sua empresa neste mundo que é flex? Não será como foi antes, mas decididamente não pode ser só Zoom.

Nizan Guanaes é estrategista da N. ideias
Instagram: nizan_n.ideas

Tópicos:

PUBLICIDADE

Preencha abaixo e receba as notícias em primeira mão pelo seu e-mail

PUBLICIDADE

Nossa responsabilidade é muito grande! Cabe-nos concretizar os objetivos para os quais foi criado o jornal Diário do acre