No fogo cruzado das tarifas, agro brasileiro precisa de estratégia (e cautela)

Na prática, qualquer tarifa acima de 50% impede o comércio bilateral, uma vez que o impacto sobre os preços finais para consumo torna o item proibitivo, e obriga os importadores a buscarem fornecedores alternativos.

Neste cenário, um questionamento comum é quanto a eventuais oportunidades para exportadores brasileiros. Mas há uma advertência inicial: guerras comerciais são um jogo de perde-perde; numa economia internacional tão integrada, guerra comercial implica imprevisibilidade, aumento de custos, suspensão de investimentos, perda de empregos. 

Com esta ressalva, a verdade é que se pode identificar alguns produtos em que o Brasil pode crescer no mercado chinês, se as tarifas contra produtos norte-americanos se mantiverem por alguns meses.

Precedentes e Oportunidades

No conflito anterior entre os mesmos protagonistas (2017-2018), a retaliação chinesa beneficiou significativamente o Brasil. Produtos como soja, milho e carnes brasileiras aumentaram expressivamente suas exportações àquele mercado. Agora, diante das novas retaliações, há expectativas semelhantes. Porém, aqui também há ressalvas importantes.

A primeira é que o Brasil já domina parcela expressiva do mercado chinês em várias commodities. Por exemplo, o país já é responsável por 90% das importações chinesas de carne de frango e 70% das importações de soja. Isso significa que o espaço para crescimento nessas commodities é limitado pela própria dominância já estabelecida.

Outra limitação crucial é a capacidade produtiva brasileira. Embora o agronegócio brasileiro seja extremamente eficiente, há limites físicos e tecnológicos quanto à expansão imediata da produção. Em alguns setores, já se opera perto do limite da capacidade produtiva, não permitindo crescimento abrupto, mesmo que haja aumento significativo da demanda.

Um terceiro aspecto relevante é que, em uma guerra comercial, o que ocorre normalmente não é um aumento absoluto da demanda global por produtos brasileiros, mas sim um redirecionamento do comércio internacional. Em outras palavras, se a China comprar menos produtos dos EUA, ela pode aumentar suas aquisições do Brasil. Porém, os produtos norte-americanos irão então se destinar a mercados secundários, onde antes o Brasil também vendia seus produtos.

Análise por Produto

Alguns produtos agrícolas merecem atenção detalhada. No caso da soja e das carnes bovina, suína e de aves, o potencial de crescimento é moderado, justamente porque já há uma alta penetração do Brasil nesses mercados.

No café, embora haja crescimento potencial, ele é motivado não pela guerra comercial, mas pela crescente demanda interna chinesa, impulsionada por mudanças culturais e de consumo, no que já foi denominado de “Efeito Starbucks”.

No caso do açúcar, o Brasil já atende amplamente a demanda chinesa, com pouca concorrência direta dos Estados Unidos. Contudo, pode haver expansão moderada devido à demanda crescente por biocombustíveis na China.

Uma das maiores oportunidades pode ser observada no mercado de algodão, em que o Brasil disputa diretamente espaço com os EUA, cuja produção é fortemente subsidiada.

Diversificação Necessária

Um ponto crucial para reflexão é que a pauta exportadora brasileira permanece fortemente concentrada em commodities primárias, especialmente direcionadas ao mercado chinês. Esta dependência é arriscada: em 2024, cerca de 30% das exportações brasileiras tiveram a China como destino principal, reforçando a necessidade urgente de estratégias de diversificação e inclusão de produtos de maior valor agregado. Além disso, a concorrência regional deve ser considerada: a Argentina também tem colhido excelentes safras e mantém competitividade em produtos similares aos do Brasil, embora em escala bem menor.

Oportunidades em Outros Mercados

As tarifas americanas também abrem a possibilidade de novos mercados internacionais. Países como Japão, México e membros da União Europeia, sujeitos a tarifas americanas, podem buscar no Brasil um fornecedor alternativo para produtos agrícolas anteriormente adquiridos dos EUA, se chegarem a aplicar retaliações. Trata-se de uma oportunidade importante, embora seu efeito não seja imediato e exija esforços diplomáticos e negociais específicos.

Neste sentido, é correta a postura cautelosa do governo brasileiro, em linha com uma diplomacia comercial pragmática. Evitar confrontos diretos e aproveitar oportunidades pontuais é uma postura que se justifica plenamente diante da atual volatilidade e da imprevisibilidade da política comercial norte-americana.

Por fim, embora existam oportunidades reais para o agro brasileiro nesse contexto de conflito comercial, é fundamental avaliar as limitações produtivas, as implicações do redirecionamento global das cadeias de suprimentos e os impactos da concorrência regional. Mais do que nunca, torna-se crucial investir em inteligência de mercado, estratégias de diversificação e abertura de novos destinos internacionais, para mitigar os efeitos negativos de uma guerra comercial que pode ser prolongada.

Welber Barral. Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil.

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