‘Nossas aldeias estavam sendo abandonadas’, diz indígena agricultora

Maria Cecília Zenezokemaero, 32 anos, faz parte da tribo Paresis. Na etnia, o agronegócio se tornou um instrumento para fornecer melhores condições de vida e dignidade. Mãe de duas filhas, ela cursa agronomia no Instituto Federal de Mato Grosso e pretende ser a primeira mulher da aldeia com diploma de engenheira agrônoma. Atualmente, apenas um homem no local conseguiu o feito.

Maria já acumula o título de primeira mulher indígena da aldeia a ter o diploma de administração em agronegócio e também é pioneira da tribo no grupo Jovens Líderes do Agro de Mato Grosso. A organização é vinculada à Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso.

Apesar de viver integrada à modernidade, ela disse não abrir mão das tradições e da cultura dos Paresis. A produção agropecuária, explica, foi um meio encontrado para melhorar a qualidade de vida dos indígenas e evitar a evasão das aldeias. Oeste conversou com Maria para conhecer o dia a dia de um indígena, que viu no agronegócio uma resposta para uma vida melhor.

1 — O que a sua tribo produz?

Usamos a técnica do plantio direto e produzimos de modo sustentável. Temos 17 mil hectares, onde cultivamos soja, milho e feijão. A maior parte da nossa produção é vendida para gerar retorno à comunidade. Esse dinheiro é investido em projetos sociais e para a qualificação de profissionais nas áreas de saúde, educação e agropecuária. Temos quatro cooperativas integradas. A primeira delas foi a Coopihanama, que significa “é três”, e surgiu há cerca de três anos. Fazem parte dela: Haliti, Nambikwara e Manoki. Juntas a ela estão a Coopermatsene, a Coopirio e a Coopiparesi. Elas foram criadas porque o território é extenso. As fazendas não ficam apenas em Campo Novo do Parecis (MT), município em que moro. Elas estão também em outros lugares, como Tangará da Serra (MT) e Sapezal (MT). Essa união surgiu para termos uma marca.

2 — Vocês enfrentaram algum preconceito quando decidiram começar a plantar?

A mídia falava que a gente usava nosso território para a agricultura e que estávamos desmatando. O que não era verdade. Nosso sistema de produção começou porque as nossas aldeias estavam sendo abandonadas. A população estava procurando emprego fora. Os indígenas estavam saindo em busca de melhores condições de vida. O projeto de cultivar a terra surgiu para que as aldeias não fossem abandonadas, para que fosse possível dar continuidade à cultura e aos costumes tradicionais. Isso gerou emprego e renda dentro das comunidades.

3 — Como é a vida na aldeia hoje?

Melhorou muito, podemos ter uma vida mais tranquila e saudável, com mais qualidade. Antes, muita gente vivia de caça e pesca. Hoje, temos até internet nas aldeias. As nossas crianças são levadas para estudar na cidade. Por costume, prefiro viver no modo tradicional. Eu tenho uma oca e uma casa, mas eu prefiro a oca. É mais fresco.

4 — Por que você decidiu estudar agronomia?

Comecei a faculdade em 2019, porque a agricultura se tornou uma paixão. Além disso, é algo que me permite ajudar a minha comunidade. Descobri minha vocação em 2018, na primeira vez que andei em uma lavoura, junto com o meu marido. Ele é operador de máquinas agrícolas. Subi no maquinário. Daí em diante, comecei a aprender, a acompanhá-lo, fazendo o monitoramento. Cheguei a ser aprovada em medicina, mas preferi agronomia. Hoje, minhas filhas estão estudando. Um ônibus as leva para a escola e faz o mesmo com as crianças das aldeias vizinhas. A mais velha estuda para ser técnica em agropecuária. A afinidade vai passando de uma para outra.

5 — O modo de fazer agricultura na aldeia envolve muita tecnologia?

As máquinas que temos hoje são computadorizadas. Além de mim, mais três indígenas estão fazendo agronomia e um já é formado. Existe também outro colega aprendendo a pilotar aviões, para pulverizar a lavoura. As coisas foram se modernizando. Queremos viver de um modo que possamos ser respeitados. E isso vem quando lutamos pelo que queremos. Quando acreditamos nos sonhos. Eu, por exemplo, acredito que posso me tornar engenheira agrônoma. Entendi que essa é a minha paixão vendo a produção em diversas fazendas que visitei.

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