Por Valterlucio Bessa Campelo*
No último dia 17/12, foi publicado na página de Economia & Negócios do jornal Estadão e repercutido em inúmeros sites de notícias, um artigo assinado por Daniel Barcelos Vargas e Vinícius Hector Pires Ferreira, ambos da Fundação Getúlio Vargas – FGV, que relaciona o Acre e Rondônia, tendo como objeto os dois modelos de crescimento adotados nos dois estados. Um preservacionista e o outro, ao contrário, devastador de florestas.
O título “O Acre deve virar Rondônia? Ou Rondônia deve virar o Acre?” já diz muito sobre o conteúdo. Lembra um daqueles jogos de palavras lacradores da internet. Não, senhores, obviamente nem uma coisa nem outra porque laranja não vira melão embora sejam frutos redondos. Eles são essencialmente diferentes.
Platitudes do tipo “Melhor é não ter de escolher entre crescimento e preservação, entre pobreza e devastação” marcam o texto. A frase pode fazer algum efeito perante uma platéia de ong’s ambientalistas ou num discurso político, mas não pertence ao mundo racional, é vazia de sentido. Os dilemas na área estudada, como, aliás, revelam os gráficos apresentados no artigo, são entre crescimento e declínio ou estagnação e entre pobreza e riqueza. Se, como sugerem os autores, a variável preservação entra com sinal negativo na equação do progresso rondoniense, que seja positivada no Acre pela valoração e pagamento imediato dos produtos e serviços prestados à sociedade sem, contudo, surgir como Q, numa fictícia Cobb-Douglas do desenvolvimento.
Há algo que os autores constatam no quadro acima, mas dele correm como o diabo da cruz que é a incapacidade do Acre de crescer e de se recuperar, submetido a um modelo oposto ao rondoniense, insistente numa economia de baixo dinamismo e pouco intensiva em capital e tecnologia. Não bastassem os 20 anos de pé enfiado na jaca ambientalista, temos que lidar com uma cultura que cresceu e entranhou-se nas instituições desde o andar de cima, de preconceito contra o capital em movimento, e mesmo de incapacidade de pensar e agir de modo diferente daquele estabelecido. Se o uso do cachimbo faz a boca torta, o Acre precisa de fisioterapia intensiva e urgente.
Não, caros, a saída não é “ser uma versão melhor de si mesmo”, isso aí está mais pra filosofia do que para a administração do Estado. Rondônia continue sendo o que é, avance no processo de verticalização de seus processos produtivos, aproveite suas vantagens comparativas e a natureza de sua formação econômica e sócio-cultural e continue enriquecendo, atraindo capital e distribuindo oportunidades de trabalho. A sua “versão melhor” é de ordem prática, é aprofundar o modelo, corrigir excessos, expandir seu campo de atuação tendo em vista o mercado internacional, diversificar e especializar seus produtos e refutar, tanto quanto possa, as investidas imobilizantes vindas de núcleos de poder tendentes a endossar a tirania ambiental.
O Acre? A sua taxa de desemprego é quase o dobro da registrada em Rondônia no último trimestre. Estamos há décadas na faixa inferior a 0,2% do PIB nacional, somos ao mesmo tempo um dos mais pobres e um dos que mais empobrecem, o que só pode ter como consequência o aumento da criminalidade e a desesperança que já atinge os setores médios da sociedade. Virou lugar comum dizer que o “povo do Acre está indo embora”. Está mesmo. Reportagem recentemente publicada aqui pela colunista Thaís Farias demonstra que a falta de emprego, falta de segurança e baixa qualidade de vida estão formando levas de acreanos para outros estados, em particular Santa Catarina. O estado do Acre, notoriamente formado a partir da recepção de contingentes de outros estados, hoje os devolve por falta de oportunidades.
O mais dramático é que, ao invés de identificar concretamente as causas dessa situação inaceitável e propor um caminho sólido, com começo, meio e fim, ou seja, com fontes determinadas de recursos, programas, objetivos e metas que privilegiem a atração de capital, investimentos produtivos, inovação tecnológica e organizacional, estamos nos debatendo entre o niilismo covidiano e o enredamento ambientalista até aqui estéril, de vez em quando chapiscado por programas desconexos e emergenciais com pitadas de arenga política.
Isto, apesar de saber de antemão que existe capital excedente em outros centros em busca de oportunidades. Recentes aquisições de terras por forâneos em alguns municípios do interior demonstram que, mesmo às escuras, o Acre pode ser uma boa aposta de longo prazo e “quem chega na frente bebe água mais limpa”.
Precisamos, então, estabelecer horizontes mais claros, ter o tabuleiro mais organizado, mais eficiência e criatividade em nossas funções. Exige-se olhar o nosso território a partir das informações que temos (são suficientes), observar o ZEE como ferramenta importante já em sua fase III e modelar um grande projeto de desenvolvimento, ancorado em nossas potencialidades vis a vis o mercado de produtos e insumos. Um projeto em que o Estado entre como facilitador, removendo obstáculos, fomentando o empreendedorismo, organizando eficientemente seus próprios recursos, alinhando suas instituições, possibilitando acesso a mercados externos, realizando investimentos, inovando e derrubando preconceitos contra o agro.
Seria virar Rondônia? É obvio que não, isto nem seria possível. É se levantar, bater a poeira de vinte anos, limpar as tralhas, adquirir, afiar e lubrificar os equipamentos, organizar a tropa e ir à luta no território que conhecemos profundamente. Como ouvi recentemente, não se ganha a batalha estacionado na trincheira.
Neste sentido é que vejo com muita expectativa o projeto liderado pela SUDAM – a Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira, que abrange leste do Acre, Noroeste de Rondônia e Sul do Amazonas. A implantação da ZDS forçará o Acre a sair da letargia e enfrentar com mais vitalidade a perspectiva de desenvolvimento de suas forças produtivas. Não sendo espelho, que Rondônia seja exemplo.
*Valterlucio Bessa Campelo é Eng.° Agr.°. Mestre em Economia Rural. Escreve contos e opiniões em seu Blog www.valbcampelo.wixsite/conto