O Brasil que fica e o Brasil que vai

O número de brasileiros vivendo em outros países cresceu 150% em 25 anos; mais do que lamentar a fuga de talentos, é preciso reconstruir um ambiente onde valha a pena ficar.

Durante mais de um século, o Brasil foi um dos maiores receptores de imigrantes. Entre 1820 e 1930, chegaram ao país cerca de cinco milhões de pessoas, vindas majoritariamente da Europa: italianos, portugueses, alemães, espanhóis, além de sírios, libaneses e, mais tarde, japoneses. A imigração foi tão intensa que, em 1900, 7,3% da população do país era formada por estrangeiros, proporção superior à de países que hoje celebram sua diversidade migratória.

Esse fluxo vigoroso teve um ponto de inflexão: a década de 1930. A grande depressão de 1929, somada às políticas nacionalistas de Getúlio Vargas e à sua Constituição de 1934, praticamente encerrou o ciclo da imigração em massa. Entre as décadas de 1930 e 1970, o país vive um período migratório de baixa intensidade — pouca imigração e pouca emigração. A partir dos anos 1970 ocorre uma mudança estrutural: o Brasil passa a registrar saldos migratórios negativos, com mais pessoas deixando o país do que entrando. A partir dos anos 2000, esse movimento se intensifica e ganha novo perfil: o emigrante brasileiro passa a ser jovem, qualificado, ambicioso e cansado de esperar que o futuro prometido finalmente chegue.

Em 2000, a estimativa era de que dois milhões de brasileiros viviam no exterior. Hoje são cerca de cinco milhões — um crescimento de 150% em 25 anos. O número impressiona ainda mais quando comparado ao crescimento populacional interno: no mesmo período, o Brasil passou de 170 para 213 milhões de habitantes, expansão de apenas 25%. Ou seja: a emigração brasileira cresceu seis vezes mais rápido que a população do país.

É como se uma Noruega inteira tivesse feito as malas ou uma Irlanda tivesse ido embora. Ao contrário do que muitos imaginam, não estamos falando de aposentados buscando qualidade de vida, mas de pessoas no auge da força produtiva: 70% têm entre 18 e 44 anos.

A composição dessa gente chama atenção. Entre os perfis mais comuns, estão tecnólogos, engenheiros, profissionais de saúde, especialistas em TI e outras categorias de que o Brasil tem crônica escassez. Em outras palavras, a diáspora brasileira é um caso evidente de “brain drain”: uma drenagem contínua de capital humano qualificado.

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Os que deixam o Brasil são jovens com formação em curso técnicos, engenheiros, profissionais de saúde, especialistas em TI | Foto: Reprodução/Freepik/IA

Para onde essas pessoas vão e o que isso revela sobre o Brasil? O destino favorito são os Estados Unidos, com cerca de dois milhões de brasileiros. Em seguida, vêm Portugal (aproximadamente 500 mil) e Paraguai (cerca de 250 mil). A escolha de EUA e Portugal é intuitiva: prosperidade, segurança e oportunidades. Contudo, o Paraguai revela algo mais profundo. O país não é rico e não figura entre os mais seguros do mundo — embora apresente taxas de homicídio inferiores às brasileiras. Tampouco possui sistemas robustos de assistência social. Ainda assim, atrai brasileiros que querem trabalhar, empreender e produzir sem carregar o peso de uma burocracia sufocante, de um sistema tributário labiríntico e de um estado que exige muito e entrega pouco. A mensagem é clara: o brasileiro que parte busca oportunidade, autonomia e protagonismo — não tutela.

Entre os motivos mais citados por quem deixa o país, dois se destacam:

  • a sensação de que o futuro será pior que o presente, fruto da estagnação econômica, da perda de produtividade e da falta de perspectivas;
  • a insegurança, em um país que figura entre os mais violentos do mundo fora de zonas formais de conflito armado.

O caso mais dramático da região, a Venezuela, mostra o que acontece quando economia, liberdade e segurança colapsam simultaneamente. Desde 1999, com a ascensão de Hugo Chávez ao poder, entre 5 e 7 milhões de venezuelanos deixaram o país — algo como 20% da sua população foi embora. A diferença entre Brasil e Venezuela está em grau, não em natureza: quando os indivíduos enxergam deterioração persistente, elas tentam escapar. As pessoas migram na expectativa de um futuro melhor. Elas fazem aquilo que não conseguiram obter por meio das instituições representativas. Elas votam com os pés.

Enquanto exporta cérebros, o Brasil recebe, majoritariamente, migrantes em situação de vulnerabilidade, vindos de crises humanitárias como as do Haiti e da própria Venezuela. Não são, em sua maioria, imigrantes qualificados que vêm para empreender ou inovar — mas pessoas que buscam proteção e condições mínimas de sobrevivência. Não há problema moral algum nisso. O drama é outro: o país perde capital humano altamente produtivo e atrai, em contrapartida, população que demanda forte apoio estatal — o inverso do que ocorre em países que prosperam.

Venezuelanos atravessam a fronteira com o Brasil
Em busca de segurança e qualidade de vida, mais de mil venezuelanos entraram no Brasil desde 28 de julho | Foto: Reprodução

Esse descompasso pressiona políticas públicas, aumenta a demanda por serviços e reforça a dependência do estado. Se a tendência se mantiver, o Brasil corre o risco de entrar num círculo migratório perverso:

  • sai quem produz (jovens, educados, empreendedores);
  • fica quem depende (em proporções crescentes);
  • o Estado, já inchado, precisa tributar mais para sustentar mais;
  • mais tributação desestimula produtividade;
  • o desestímulo empurra para fora ainda mais brasileiros qualificados.

Algo semelhante ao que impede um foguete de alcançar a órbita: faltam condições mínimas para gerar a “velocidade de escape”. Sem reformas profundas que aumentem produtividade, liberdade econômica e segurança jurídica, o Brasil continuará preso à própria gravidade.

Concluindo, vemos que o Brasil vive sua maior diáspora, e ela atinge justamente aqueles que mais poderiam contribuir para o desenvolvimento nacional. A grande ironia histórica é que fomos um país que prosperou com a atração de imigrantes e nos transformamos em um país que exporta gente.

Se queremos mudar esse rumo, é preciso mais do que lamentar a fuga de talentos. É necessário reconstruir um ambiente onde valha a pena ficar. Onde trabalhar, empreender e viver com segurança, sob todos os aspectos, não seja exceção, mas regra. Onde o futuro não seja percebido como ameaça, mas como oportunidade. De outra forma, nossa história será apenas um filme sem final feliz onde os heróis há muito desapareceram.


André Burger é economista e conselheiro do Instituto Liberal.

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