O papel de Chico Miguel por ocasião da pandemia da cólera no Pajeú

Recebi do Presidente do CPDoc-Pajéu, Sociólogo e Historiador Hesdras Souto, um artigo sobre a Pandemia da Cólera que atingiu a Região do Pajéu na segunda metade da década de 1850. Imediatamente senti o desejo de rememorar um fato que me relatou um amigo da cidade da Ingazeira, que tinha como protagonista o meu tetra avô Francisco Miguel de Siqueira.

Protelei a decisão de escrever o que me propus por alguns dias. Aproveitando o feriado carnavalesco, tentei resgatar o texto e não o encontrei. Recorri ao amigo Hesdras Souto que, prontamente me fez chegar novamente o artigo da sua lavra.

Fiz uma releitura e me veio à memória o que tenho a destacar. Quero registrar não apenas o fato pitoresco que me contou o amigo da cidade da Ingazeira. Destaco também, relativamente à Pandemia da Cólera no termo da Ingazeira, outros dois fatos que contribuem para que possamos restabelecer à dignidade da biografia do Coronel Chico Miguel.

A Pandemia da Cólera teve início no Brasil no ano de 1855. Conforme artigo do referido Historiador, foi causada pelo “vibrião colérico vibrio cholerae”. Causou muitas vítimas na Europa e na Ásia. Chegou ao Brasil por meio de embarcações oriundas de regiões afetadas, que por aqui aportaram. Evidentemente que tudo começou no porto do Recife, onde atracaram os barcos vindos de países atingidos pela aludida Pandemia.

Poupo-me de dar maiores detalhes sobre a terrível doença que muitas pessoas vitimou no Brasil. Aos que tiverem a curiosidade de saberem mais sobre a Pandemia da Cólera que atingiu parte do mundo e do nosso país, sugiro que façam a leitura do artigo do meu amigo, cujo link segue abaixo, muito rico em detalhes.

O Coronel Francisco Miguel de Siqueira exerceu importante papel na construção do cemitério, no qual foram sepultadas as pessoas vitimadas pela Cólera. A construção se deu sob a liderança do Frade Capuchinho (Franciscano) Serafim de Catânea. Hesdras registra que as despesas correram à conta do Governo, mas também do meu tetra avô.

Diga-se de passagem que, jornais da época elogiaram o papel do missionário italiano na construção do cemitério, mas também o importante papel de Francisco Miguel de Siqueira. Transcrevo o elogio recebido por Chico Miguel relativamente à essa importante obra de misericórdia, em jornal da época:

O cemitério da Ingazeira, obra monumentosa, a ser feita a expensa de um particular, ou mesmo do governo, teria certamente levado-se longos dias, e absolvido acrescida soma de 4 a 5 contos de reis; no entretanto que aceno de um capuchinho ministro da religião do Crucificado, tudo se operou no curto espaço de 15 dias. Muito também se distinguiu neste trabalho, o digno chefe do Estado Maior da Guarda Nacional deste município, Francisco Miguel de Siqueira”.

Como chefe do Estado Maior da Guarda Nacional do termo da Ingazeira, evidentemente que Francisco Miguel de Siqueira exerceu também o papel de autoridade sanitária, por ocasião da Pandemia. A ele competia dizer onde os mortos deveriam ser sepultados, no escopo de evitar a propagação da doença. Fazer cumprir às leis sanitárias do Império do Brasil.

Registra Hesdras que o cemitério atual, construído por ocasião da Pandemia, destinava-se ao sepultamento dos que tiveram como “causa mortis” a terrível doença da cólera. A mãe de Francisco Miguel de Siqueira, minha penta avó, Antônia da Cunha Siqueira, que morreu da doença em 1856, ainda foi sepultada no cemitério antigo. Talvez porque o novo não tinha ainda sido concluído. Acredito.

Pois bem. Agora registro o fato pitoresco que me contou o amigo da Ingazeira na penúltima viagem que fiz à cidade mãe do Pajeú.

Um parente de uma pessoa que havia morrido de cólera, insistia em fazer o sepultamento no cemitério velho; com o que Francisco Miguel de Siqueira, na qualidade de autoridade sanitária no termo da Ingazeira, se opunha. Muito provável que o cemitério ainda não estivesse concluído. O parente do morto – é possível concluir – não estava querendo sepultar o ente querido fora do cemitério (velho).

O amigo que me relatou o fato disse que ouviu do bisneto do ancestral que tentou sepultar o seu morto. Agastado com a intransigência do Coronel Francisco Miguel de Siqueira, que se recusava permitir que coléricos fossem enterrados no cemitério velho, de forma atrevida, disparou: “pendure o morto no seu pescoço”.

Remeti os interessados em saber mais sobre a Cólera no Brasil, o texto do Historiador Hesdras Souto abaixo. Entretanto, destaco do seu artigo informação que contribui para o restabelecimento da dignidade do Coronel Francisco Miguel de Siqueira, cuja memória, nos últimos 150 anos, tem sido aviltada por uma narrativa falsa, articulada por dois adversários políticos, sobre os quais já falei em outros momentos. Poupo-me de fazer novamente.

Disse Hesdras em seu artigo, como testemunho e defesa de que Francisco Miguel de Siqueira era um homem de bem, que muito serviço prestou à comunidade do termo da Ingazeira, como de resto do Vale do Pajeú:

O cemitério da Ingazeira, ou dos coléricos, por assim dizer, foi construído em 15 dias, por mão de obra escrava, tendo parte das custas financiada pelo Governo da Província e pelo Coronel Francisco Miguel de Siqueira, cuja mãe, Dona Antônia da Cunha Siqueira, também foi vítima da cólera, em 24 de junho de 1856; sendo uma das últimas pessoas a serem sepultadas no antigo cemitério da Igreja Matriz de São José”. g.n

Dona Antônia da Cunha Siqueira foi a esposa de Miguel Ferreira de Brito. Casou-se com 15 anos, e ele com mais de 50 anos. São os pais de Francisco Miguel de Siqueira. O casal teve 10 filhos. Dois filhos do casal tiveram vidas trágicas. Um filho varão foi assassinado (Chambinho). Tenho tentado encontrar o processo em que foi julgado o autor do crime. Carlota Lúcia de Brito foi condenada à prisão perpétua na Ilha de Fernando de Noronha e cumpriu a sentença. O livro “O Crime de Carlota Lúcia de Brito – A Verdade dos Fatos”, do escritor Mário Vinícius Carneiro Medeiros, relata essa tragédia familiar.

Com dois Frades Capuchinhos (Franciscanos), que tiveram importantes papéis no processo civilizatório do Sertão do Pajeú, o Coronel Francisco Miguel de Siqueira interagiu para realização de serviços altamente importantes, no que diz respeito ao processo civilizatório da comunidade sertaneja do Vale do Pajéu.

Francisco Miguel de Siqueira foi “Procurador do Glorioso Padroeiro São José”, para efeito de receber de sua família as terras que hoje pertencem ao município da cidade da Ingazeira. Tenho a escritura púbica de doação assinada por Agostinho Nogueira de Carvalho e familiares, como doadores, e de Chico Miguel como Procurador do Glorioso Padroeiro São José. Nesse ato esteve presente Frei Caetano de Messina. Discute-se a possibilidade da canonização desse Frade, que foi realmente um apóstolo do Brasil. Um verdadeiro santo.

O outro Frade com quem Francisco Miguel de Siqueira interagiu foi o missionário Serafim de Catânea. Acima já relatado o motivo pelo qual, com ele, Francisco Miguel de Siqueira interagiu (construção do cemitério para os que morriam de cólera).

Quem foi Frei Serafim de Catânea, Capuchinho com quem Francisco Miguel de Siqueira interagiu para construir o cemitério da Ingazeira?

Um religioso notável! Sua biografia está profundamente ligada ao Estado do Piauí. Frei Serafim foi um missionário franciscano (Capuchinho) que chegou em Terezina no dia 10 de maio de 1874. Foi o grande idealizador da Igreja São Benedito, naquela Estado, na sua capital.

Diz a História que no Século XIX, o Estado do Piauí vivia um período de forte estiagem. O franciscano desempenhou relevante papel coordenando comissões do governo para o fornecimento de alimentos, roupas, alojamentos e remédios à população mais vulnerável

A narrativa dos que insistem em falar mal de Francisco Miguel de Siqueira como um homem perverso e cruel, não se sustenta. É apenas uma narrativa de dois adversários que não tinham a credibilidade do Coronel.

Não podia ser um homem mal quem deixou os testemunhos que relato, documentalmente provados. Dois gestos de piedade cristã: construção de um cemitério para sepultar dignamente os que foram vitimados por uma Pandemia (Cólera), e a doação do que hoje é o território da cidade da Ingazeira, para o Glorioso São José (doação feita pela família do Coronel).

Imagem: Quadro de Pavel Fedotov mostra uma morte por cólera em meados do século XIX.

Saiba mais: Há 170 anos a cólera chegava ao Pajeú e devastava a Ingazeira

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