O que a invasão da Ucrânia nos diz sobre os limites das “superpotências”

Para um país do tamanho da Rússia, e para um país do tamanho da Ucrânia, a guerra que explodiu uma semana atrás deveria ter começado e acabado no mesmo dia. Não acabou – e o resultado é que a cada dia mais de demora, o país mais fraco ganha força política e o mais forte perde gás. O resultado é que vai se tornando indispensável, cada vez mais, trocar a vitória inicialmente pretendida por outra coisa – algum arranjo que permita aos russos dizerem que a operação deu certo e, portanto, já pode ser encerrada.

O objetivo estratégico inicial, basicamente, era liquidar a Ucrânia como um Estado realmente independente, e colocar em seu lugar uma prefeitura administrada por Moscou e disfarçada de república. Isso não foi possível. Será preciso encontrar uma outra “narrativa”, como se diz hoje.

A invasão da Ucrânia mostrou, como talvez nenhum conflito armado tinha mostrado até hoje, os limites daquilo que se chama de “superpotência”. Nos inventários oficiais, consta arsenal nuclear completo, capaz de destruir o mundo inteiro sete vezes em seguida. Há jatos de combate de última geração, que países subdesenvolvidos vivem querendo comprar. Há última palavra em tecnologia de combate, mísseis inteligentes, tanques com controle remoto, guerra à distância, guerra eletrônica, o diabo. Mas na hora de colocar tudo isso em ação, o que se tem na prática são oito dias seguidos de operações militares confusas, lentas e indecisas. Já deveria ter acabado. Se não acabou é porque a superpotência não funcionou.

Não há nada de animador no que a Rússia tem diante de si nos dias que vêm aí para frente. A opção adotada pelo comando russo no momento é uma escalada cada vez mais violenta contra a população civil, na esperança de obter uma rendição mais rápida. O problema, como sempre acontece com as escaladas, é que elas não podem durar pelo resto da vida – uma hora vão ter de parar, e se o inimigo não estiver morto até lá, o esforço terá sido inútil.

O passar do tempo, além disso, agrava as dores do pacote-gigante de represálias econômicas e de outras naturezas que foi jogado em cima da Rússia pela Europa e Estados Unidos. Os desastres provocados pelo boicote podem até não criar problemas insolúveis para os russos – mas, obviamente, não é assim que eles pretendem viver para sempre, e cada dia a mais de guerra é um dia a menos para a reconstrução da Rússia como ela era uma semana atrás.

O presidente Vladimir Putin parece não reagir de maneira coerente à lógica dos fatos. As forças armadas russas estão lhe entregando uma notificação na qual informam que não têm condições de ganhar a guerra – não do jeito que essa guerra está sendo combatida.

O mundo deixou claro, também, que a Rússia está sozinha; tem a seu lado, apenas, figuras como Nicolás Maduro e outras pequenas calamidades da cena internacional. Os prejuízos fora do campo de batalha, com a crescente e inédita desconexão da Rússia do sistema econômico mundial, machucam cada vez mais.

Está há hora, realmente, do presidente Putin e sua base de apoio pensarem a sério em dizer “missão cumprida” e tentar construir de novo a casa que caiu.

J.R. Guzzo

*J.R. Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.

Por J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 03 janeiro de 2022

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