Após mais de dois anos de desgraças, a pandemia de Covid-19 vai finalmente entrando na sua fase de dissolução, com infecções, mortes e internações hospitalares em baixa, e o desmanche progressivo das medidas impostas pela autoridade pública para administrar a doença.
Nunca se saberá, no Brasil e no resto do mundo, o custo real dessa tragédia sanitária sem precedentes. As ciências médicas e biológicas não chegaram até hoje, apesar do imenso esforço feito em pesquisas, a reunir respostas realmente satisfatórias sobre a pandemia, e nem sobre a real eficácia das providências tomadas por governos e pelas pessoas para lidar com ela.
Hoje, quando o desastre se encaminha para o seu fim, há quase tantas dúvidas quanto havia no começo – e uma sensação de que se pagou um preço alto demais para combater essa guerra.
Fala-se muito das calamidades em cascata causadas pela desaceleração, ou pura e simples paralisação, da atividade produtiva em todo o mundo – dois anos de recessão, desemprego, falências, gasto público desesperado e por aí afora. Menos mencionada, porque não interessa aos governos nem aos beneficiários das medidas de “lockdown”, é a devastação causada na educação dos jovens e crianças pobres com o fechamento das escolas – e o ataque sem precedentes às liberdades que as autoridades e as elites têm feito ao longo dos dois últimos anos.
Os países desenvolvidos fizeram uma defesa muito melhor do futuro de suas crianças, percebendo, desde o início, que era essencial manter as escolas em funcionamento. O Brasil fez exatamente o contrário. Até hoje há escolas fechadas. Os alunos do ensino privado ainda se defenderam melhor, por terem mais recursos, mas a imensa maioria dos alunos brasileiros do ensino básico não aprendeu nada durante este tempo todo.
As aulas “a distância”, para as crianças pobres, foram uma piada: como dar aulas “online” sem computadores, sem internet estável, sem assistência técnica, sem a presença de monitores? Como ensinar sem professores, que trataram de toda essa tragédia como uma questão sindical, fazendo greves para não voltar às escolas e ficando dois anos seguidos em casa?
Os alunos que perderam os anos de 2020 e 2021, e ainda vão receber um ensino deficiente em 2022, sofreram um prejuízo que vai lhes perseguir pelo resto de suas vidas. É muito simples: o que não aprenderam agora não será aprendido nunca.
Nenhum Estado e nenhuma empresa com “sensibilidade social” vai lhes pagar ou compensar por isso. Só vão lhes oferecer empregos ruins, salários baixos, trabalho de má qualidade, sem perspectivas de progresso profissional ou de melhoria de vida – o que sempre se oferece a quem sabe pouco.
O fechamento das escolas, sob a mais completa indiferença dos que mandam e dos que pensam neste país, foi a maior e mais perversa ação de retrocesso social que o Brasil já teve em sua história moderna. A distância entre ricos e pobres aumentou ainda mais, e não há “políticas de igualdade” que possam resolver isso.
J.R. Guzzo
*J.R. Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.
Por J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 12 janeiro de 2022